É verdade que a administração de cortes e contingenciamentos por vezes é necessária para adequar o gasto público ao cenário fiscal de um país, especialmente em economias como a do Brasil, resistente a reformas estruturais e onde por anos a responsabilidade com o dinheiro público deixou de nortear as canetadas oficiais. Também é verdade, porém, que se o Orçamento carece de tesouradas pontuais, passou da hora da máquina pública entrar de vez numa reeducação alimentar a começar pela Câmara dos Deputados — cujo apetite por verbas públicas é monstruoso.
A dieta é urgente. Gastos como os lanches servidos por um serviço de buffet à liderança do PROS, no final de 2018, reembolsados com dinheiro público em três notas fiscais de R$ 5.400 cada (você pode acessar as notas aqui, aqui e aqui), ou a farta refeição no valor de R$ 1.973,20 servida ao deputado Paulo Pimenta (PT), no Galego Restaurante (nota fiscal aqui), em fevereiro do mesmo ano, são apenas alguns dos muitos indícios de que, se é de grão em grão que a galinha enche o papo, é também de grão em grão que ela se torna obesa e com o voo ainda mais raso. Este é o caso da Câmara dos Deputados: de gasto em gasto a Casa onerou os cofres públicos em mais de R$ 1 bilhão em 2018. Vale o custo benefício?
Cada Deputado Federal recebe mensalmente um salário de R$ 33.763, quantia suficiente para custear viagens, restaurantes caros e todo tipo de luxo daqueles que pertencem à parcela mais rica da população brasileira. Somado ao gordo vencimento, os parlamentares têm à sua disposição R$ 111.675,59 mensais para verba de gabinete, ou seja, o pagamento de salários de até 25 secretários parlamentares (encargos trabalhistas como 13º, férias e auxílio-alimentação não entram nesta conta e são pagos pela Câmara). A farra não para: como se não bastasse, há também o auxílio-moradia e a Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (CEAP), que varia de estado para estado, e reembolsa despesas dos deputados como transporte e alimentação. O menor limite de CEAP é para os deputados do Distrito Federal, autorizados a solicitar reembolso de até R$ 30.788,66 mensais, e o maior é para os deputados de Roraima, no valor de R$ 45.612,53.
Juntando os salários e 13º dos 513 deputados, a despesa no ano de 2018 bateu os R$ 225.165.447,00. A essa quantia deve-se somar a cota parlamentar utilizada (R$ 214.879.228,80), a verba de gabinete (R$ 492.870.207,13), o auxílio-moradia (R$ 7.613.627,00) e o gasto com viagens (R$ 2.182.413,82), totalizando uma despesa de R$ 942.710.923,75 — valor equivalente a mais de 988 mil salários mínimos. Se contabilizados os custos com deputados aposentados, R$ 7,18 milhões mensais, a quantia sobe para R$ 1.028.870.923,75. Um escárnio previsto em lei que convida à reflexão: seria possível reduzir esses custos pela metade?
A ideia de diminuir o número de parlamentares não é nova. Em 2008, o ex-deputado federal Clodovil Hernandes foi autor de uma PEC que tratava da redução de 513 para 250 o número de deputados, proposta que na época contou com o apoio do ex-deputado Miro Teixeira, atualmente beneficiário de uma aposentadoria superior a R$ 33 mil reais. No Senado também há uma proposta, obviamente emperrada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que prevê a redução do número de deputados de 513 para 385 e o de senadores de 81 para 54. O próprio presidente Jair Bolsonaro já sinalizou ser a favor da redução, mesmo não tendo apresentado nenhum projeto a respeito do tema nas quase três décadas que permaneceu na Câmara. Está claro: falta boa vontade.
O descaso com o dinheiro público encarnado na maré de privilégios também leva a refletir sobre a possibilidade de reduzir os salários dos mandatários da Câmara Federal. Como mostrou o jornal “O Globo” em 2015, no final da década de 1950 o salário de cada deputado, se corrigido pelo índice IGP-DI da Fundação Getúlio Vargas (FGV), era cerca de R$ 16 mil — menos da metade do que é hoje. Também não havia benefícios como o auxílio-moradia, cota parlamentar e verba para empregar 25 secretários: “Passávamos a tarde no plenário. Só havia gabinete para os membros da mesa e para as lideranças do partido da maioria e da minoria. Quem tinha assessores eram as comissões. Elas cobriam um pouco a necessidade de consultas, mas, na maioria das vezes, fazíamos as pesquisas em casa”, disse o ex-deputado Waldir Pires, eleito em 1958, em entrevista ao “Globo”.
Se a redução das despesas ainda não tem respaldo legal, cabe aos deputados, representantes legítimos do povo, a responsabilidade com o dinheiro público. É urgente o entendimento de que a atividade parlamentar deve servir à sociedade, e isso deve ser refletido desde a escolha da refeições consumidas nos entornos de Brasília até a contratação de assessores e secretários. Ora, senhores parlamentares, há realmente a necessidade de reembolsos que vão desde pequenos lanches a passagens aéreas não tão necessárias? É possível receber um salário superior a R$ 33 mil reais e não sentir pesar a consciência ao cobrar da sociedade a conta de um fino buffet palaciano?
Felizmente há exceções para a regra da torneira de gastos. Há na Câmara deputados preocupados em reduzir o número de assessores parlamentares, cujo trabalho não chega diretamente às vistas da população. A missão, no entanto, não deve estar restrito apenas a eles. Cabe à população ficar de olho e cobrar de seus representantes a boa gestão dos recursos públicos. No Ranking dos Políticos, é possível conferir a atuação dos parlamentares com as melhores práticas no Congresso. Os gastos de cada um deles, ainda que careçam de mais transparência, podem ser acompanhados no site da Câmara — e eles estão lá para serem questionados.
Se ainda não estamos num futuro onde a Casa do Povo custa ao menos a metade do que pesa hoje no bolso do contribuinte, é dever do cidadão responsabilizar os principais responsáveis pelo banquete do dinheiro público. Dieta já!