Se François Hollande tivesse como presidente o mesmo sucesso que mostra com as mulheres, a França poderia estar numa boa. Neste momento, aliás, Hollande está em processo de mudança nas duas situações. Substitui a atual primeira-dama, a jornalista Valérie Trierwailer, pela atriz Julie Gayet — e, nesses casos pessoais, ninguém além dos diretamente envolvidos pode dizer se é para melhor ou para pior.
Já na Presidência, a guinada tem uma clara direção. Hollande anunciou uma nova política econômica, com cortes de gastos e de impostos, parcialmente atendendo a proposta da principal associação de empresários. Assim, depois de um ano e meio tentando recuperar o crescimento com expansão do gasto público, financiado com mais impostos, na linha socialista, Hollande reconhece o fracasso e vira-se para o receituário mais à direita.
O fracasso é evidente na economia e na política. Nem o país voltou a crescer, nem apareceram os empregos e os investimentos. Ao contrário, o “custo França”, que já era superior ao da Alemanha e ao da Inglaterra, tornou-se ainda um maior obstáculo à competitividade dos negócios franceses. E a popularidade de Hollande é recorde de baixa.
Se fosse nos Estados Unidos, o adultério, flagrado por uma revista, seria a pá de cal no seu governo e na sua carreira. Já na França, a ampla maioria da população, em pesquisa, concordou que se trata de um assunto pessoal. De modo que fica tudo em suspenso. Hollande não negou o caso, também não confirmou explicitamente, mas deixou a pista. Quando perguntado quem era a atual primeira-dama, disse que daria a resposta só em fevereiro. E pediu respeito.
Nisso, deram. Já na política econômica, o debate esquentou. Na esquerda, muitos companheiros criticaram a “virada neoliberal”. No outro lado, muitos acharam as novas medidas tímidas e pouco críveis. De maneira que aqui também a coisa fica em suspenso. Vai funcionar? A ver, e só depois de fevereiro.
É curioso como o primeiro presidente socialista da era moderna, François Mitterrand, enfrentou situações semelhantes com mais savoir faire. Durante os 14 anos de sua Presidência (1981-1995), bem casado, com três filhos, manteve uma amante praticamente oficial, com a qual teve uma filha, reconhecida e sempre no seu convívio. Jornalistas, adversários e eleitores deixaram-no em paz.
Na política, Mitterrand começou com uma fúria socialista — uma sequência de estatizações de bancos e grandes empresas. Fracassou. Houve fuga de capitais, desinvestimento, perda de empregos. Mitterrand virou-se, então, à direita, inclusive reprivatizando parte do que havia nacionalizado. Reelegeu-se, terminou seu período razoavelmente bem.
Já o atual François — que repetição, não é mesmo? — parece mais atrapalhado e indeciso nas duas situações. Pior para a França e para qual das duas, Valérie ou Julie?
Dilma em Davos
O Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, é onde os líderes políticos mundiais, no governo ou fora dele, se encontram com os representantes do capital. Lula foi lá logo no início do seu governo. Dilma não foi nos seus três primeiros anos. Mas está lá para a reunião deste ano, iniciada ontem. Como Lula, Dilma busca agora a mesma coisa, credibilidade.
Mais exatamente, a presidente quer que o capital e a liderança política global acreditem que ela respeita os contratos, os fundamentos macroeconômicos, a iniciativa privada. Numa palavra… o capitalismo.
Pode-se dizer que, aqui e só aqui, Dilma passa por uma situação parecida à de Hollande. Ambos são de esquerda, formaram seu pensamento econômico na esquerda, aplicaram o programa de aumento de gasto público e mais intervenção estatal, mas algo deu errado. Aqui, baixo crescimento e inflação elevada. Lá, baixo crescimento e ameaça de recessão.
Tanto lá como aqui, empresários nacionais e estrangeiros sentem-se hostilizados pelo governo, tratados como um bando de egoístas que só pensam no lucro, dane-se o povo. Desconfiados, não investem, não geram empregos.
Mas se Hollande, ainda que hesitante, reconhece o problema, ao anunciar uma nova política econômica, a presidente Dilma está convencida de que faz tudo certo, à esquerda e à direita.
Acredita, ou pelo menos demonstra isso com ênfase, que implanta com êxito uma nova matriz econômica, antineoliberal, e, ao mesmo tempo, respeita os fundamentos da economia de mercado. Logo, errados estão os empresários, banqueiros e os críticos em geral.
Ela foi eleita e, ao contrário de Hollande, tem boa aprovação popular. Logo, tem todo o direito de pensar assim.
Só não pode querer que todos concordem com ela. A ver o que dirá e o que dirão em Davos.
Fonte: Folha de S. Paulo, 23/01/2014
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