A Polícia Federal decretou uma imensa operação no Rio Grande do Sul prendendo o Secretário Estadual do Meio Ambiente, o Secretário Municipal do Meio Ambiente de Porto Alegre e o ex-Secretário Estadual do Meio Ambiente, além de funcionários de órgãos ambientais, dentre os quais um dirigente, e diversos empresários e “despachantes ambientais”.
A operação, como sempre, foi montada para produzir muito estardalhaço, embora, até agora, as provas tenham sido escassas. Ainda não dá para ver com precisão se os supostamente envolvidos sejam efetivamente culpados. Os elementos mais probatórios parecem ser os de licenças de mineração, mais particularmente areia, a cargo do governo estadual. No que concerne à capital Porto Alegre, o que veio a público até o momento parece indicar a ausência de corrupção ou atos ilícitos, apesar de o secretário ter amargado, junto com os outros secretários, cinco dias no Presídio Central. O castigo veio antes do suposto crime.
Contudo, interessa aqui não somente o caso particular do estado ou da capital, mas o seu significado nacional, na medida em que as questões de licenças ambientais impactam, por exemplo, diretamente a construção civil e os Shopping Centers. Empresários desses ramos são submetidos a uma verdadeira via crucis para a obtenção de licenças ambientais e viárias para os seus empreendimentos. Frente a dificuldades de tal monta, não deveria surpreender o aparecimento de vendedores de facilidades diante das dificuldades reinantes.
Um ponto que merece especial destaque na operação foi o fato dos empresários terem sido imediatamente acusados de corruptores. Houve um nítido viés antiempresarial, como se o lucro fosse um ilícito potencial e o privado algo de certa maneira nocivo por princípio. Neste sentido, a iniciativa privada é tornada responsável dos supostos crimes, como se a inclinação ao “crime” fosse próprio de sua natureza.
Aliás, algumas das incriminações são simplesmente ridículas, como o fato de um funcionário público X ter tirado da fila um determinado processo a pedido de um empresário Y, de modo que ele pudesse ser analisado com prioridade. Qual o crime disto?
Note-se que esses processos encontram-se em longas filas intermináveis que se arrastam por vários anos, um ou dois anos sendo considerado um processo rápido, pois outros podem tardar de 4 a 6 anos, talvez mais. A pergunta é a seguinte: qual negócio pode aguardar tanto tempo para uma licença? Anormal seria que os empresários não tentassem acelerar os processos de licenciamento, por uma razão muito clara: o prejuízo daí resultante.
Isto não significa evidentemente que as regras não devam ser seguidas. Ocorre que as regras e os seus procedimentos são formulados como se visassem à criação de um sem número de dificuldades, como se empreender fosse uma atividade que, de certo modo, deveria ser punida.
A situação é propriamente kafkiana, com empresários perdidos nos labirintos burocráticos. Para um processo andar, só com contatos nos órgãos ambientais e em outros departamentos. Por eles mesmos, os processos não tendem a caminhar. O “despachante ambiental” torna-se uma figura necessária, pois, em sentido estrito, os processos não andam. Se existem os “ despachantes ambientais” e imobiliários dos mais diferentes tipos, isto se deve à própria natureza do processo. Brotam lá onde as dificuldades florescem.
As regras de licenciamento ambientais e de construção em geral são elaboradas de forma a não facilitarem a vida das pessoas. Pode ser um edifício, um shopping ou a simples reforma de uma casa. Desaparece a ideia do servidor público, aquele cuja função deveria ser precisamente servir o cidadão, aquele que paga impostos e, deste modo, paga o salário de toda a máquina estatal. Muitos municípios estão precisamente procurando resgatar essa ideia, orientando, inclusive, a atual administração da cidade de Porto Alegre.
Foi noticiado que mais de 60% dos processos ambientais atuais, do governo estadual, não foram sequer analisados. Ou seja, a maior parte dos processos se encontra literalmente parada. A ineficiência burocrática é de tal ordem que as pessoas envolvidas terminam utilizando os mais diferentes recursos para que os seus processos possam ser analisados.
Note-se que a ineficiência burocrática pode bem significar, no que parece ser o caso estadual, da ausência de meios, por exemplo, um número muito pequeno de computadores em relação ao número de funcionários. Equipar secretarias de meio ambiente, com doações privadas se for o caso, é uma necessidade incontornável.
A corrupção, quando ocorre, é fruto de um certo tipo de regras, de burocracia e de meios. Quando tudo é feito para dificultar os projetos empresariais e pessoais, surgem os mais diferentes tipos de “oportunidades”. Fosse outra a situação, as oportunidades não surgiriam e os vendedores de facilidades não teriam a quem oferecer o seu produto.
Seria muito simples resolver o problema da corrupção na burocracia pública e na ambiental em particular. As compensações viárias, por sua vez, não poderiam ser de um montante que inviabilizasse o empreendimento ou o tornasse pouco atrativo. Um limite deveria ser estabelecido.
Bastaria, no geral, que as regras ambientais fossem claras, precisas e transparentes. Os processos seguindo regras exequíveis seriam encaminhados eletronicamente e respondidos também eletronicamente. Cada parte se responsabilizando por suas ações, conforme as competências respectivas.
Em caso de resposta negativa, as razões deveriam ser claramente formuladas, para que outro encaminhamento fosse possível, na observância das leis. Mais importante ainda, a burocracia teria um prazo máximo e breve de respostas, sendo os funcionários e departamentos envolvidos responsabilizados, inclusive juridicamente se for o caso, pelo seu não cumprimento. Sem prazos curtos que sejam obedecidos, abrem-se as portas para a corrupção.
Fonte: O Globo, 20/05/2013
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