Em 2006, no seminário Chile Sec. 21, a então presidente Bachelet foi clara: “Nossa resposta ao desafio do moderno estado social de direito é um sistema de proteção social, retomando nossa matriz histórica estatal, que proteja não somente os mais necessitados, mas enfrente as inseguranças da sociedade moderna.”
Portugal mergulhou no conceito de estado segurador, que chamou de estado social. Desde a Revolução dos Cravos, a arrecadação subiu muito, mas abaixo dos gastos públicos (gastos públicos/PIB: 1974=20%; 2010=48%). O déficit publico se tornou crônico (déficit em todos os últimos 25 anos, em média 5% do PIB) e a divida pública explodiu (dívida pública/PIB: 1974=14%; 2010=95%). A poupança decresceu (poupança familiar/PIB: 1974=22%; 2010=4%) e o dinamismo econômico sumiu. O desemprego dos jovens atingiu 20%. O funcionalismo público foi quadruplicado em 25 anos. São 800 mil para população de 10,7 milhões. Estado segurador vira estado gastador rápido.
Portugal teve um empurrão econômico com as exigências privatizantes da UE e muitos subsídios externos – alguns deles risíveis. Mas em 2011 ficou insolvente e foi para o pronto-socorro. A sobrevivência depende de novo regime fiscal e de aceitar que não vai dar para pagar todos os compromissos do estado segurador. O dilema é em quem dar o cano.
O Brasil também se encantou com o estado segurador. Muitos números já são parecidos. O governo aqui já gasta mais de 40% do PIB. Somente com aposentadoria e saúde de idosos são uns 15% do PIB. Os déficits públicos são crônicos. A poupança doméstica, principalmente a pública, é diminuta; crescemos com poupança externa. A dívida pública já passou de 55% do PIB. Tivemos empurrões econômicos com privatizações e reformas, mas estas secaram desde 2005. Ainda vivemos de exportações primárias: não dá para contar com crescimento sustentado.
O Brasil está ainda numa fase boa, crescendo e com desemprego baixo. Mas precisa de reformas (trabalhista, previdenciária, educacional), privatizações, mais PPPs, investimentos privados em infraestrutura. E sistema regulador mais simples, para melhorar o ambiente empreendedor. Precisa também de um ajuste fiscal, para não parecer Portugal em mais seis anos. Krugman nos lembra que Keynes ensinou ser esta a hora boa para um ajuste fiscal. É impossível discordar de Keynes, ele só não ensinou como botar tal guizo no pescoço dos políticos. Mas com despesas públicas crescendo menos que receitas e receitas crescendo menos que o PIB, não se corta nada de ninguém. É politicamente palatável. Muitos países já fizeram esta trilha, sem “austeridade selvagem”.
Não existe pronto-socorro para o Brasil, que não é os EUA, país que não tem problema de se financiar por ser o menor risco do mundo. Se o Brasil entrar numa crise fiscal o ajuste será na marra – selvagem e iníquo – quem vai pagar são os pobres. Vamos provar ser Keynes irrelevante.
Fonte: O Globo, 04/01/2012
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