Nos dias 7 e 8 ocorreu em Washington, na sede do FMI, a 14º conferência anual dedicada à memória do economista Jacques Polak.
Neste ano foi homenageado o macroeconomista e professor do MIT Stanley Fischer, que acaba de retirar-se da presidência do BC israelense. O evento versou sobre crises, de hoje e do passado. Tema central da produção acadêmica de Fischer.
Dois estudos assinados por membros do corpo técnico do banco central americano (o Federal Reserve ou Fed), que assessora diretamente a diretoria da instituição, chamaram a atenção. Para entender a sua relevância, porém, é preciso recapitular algumas questões da política monetária recente nos EUA.
Desde dezembro de 2008, logo em seguida à eclosão da crise, os juros básicos na economia americana foram fixados entre zero e 0,25%. É impossível reduzir ainda mais os juros.
O problema é que, pela situação do mercado de trabalho, que apresenta taxa de desemprego elevada, e do mercado de bens, com taxa de inflação abaixo da meta de 2%, tudo indica que o juro de equilíbrio na economia é ainda menor.
Ou seja, o equilíbrio requereria a fixação da taxa básica nominal de juros em níveis negativos, o que, em uma economia com moeda fiduciária –isto é, papel-moeda em poder do público–, é uma impossibilidade lógica. Sempre é possível guardar valores a juros nominais nulos, mantendo o dinheiro debaixo do colchão.
Para enfrentar essa situação, o Fed tem atuado para baixar os juros de longo prazo, como a rentabilidade dos títulos de dez anos do Tesouro dos EUA. Essa é uma forma de tornar a política monetária mais frouxa mesmo se os juros de curto prazo já tiverem atingido o limite inferior.
Os juros longos são dados pela composição dos juros curtos esperados de hoje até o vencimento do papel. Adicionalmente os títulos de longo prazo pagam a seu detentor um prêmio pela perda de liquidez (manter o dinheiro aplicado por longo tempo, caso se leve o título a resgate).
Há duas formas, portanto, de baixar os juros longos. A primeira é atuar para reduzir o prêmio de liquidez e a segunda é atuar para convencer o mercado de que a trajetória futura das taxas curtas será mais baixa por um tempo maior.
O Fed tem empregado os dois instrumentos heterodoxos de política monetária. Para reduzir o prêmio de liquidez, conduz operações de compras dos títulos longos, política conhecida por afrouxamento quantitativo (“quantitative easing”, QE).
Para convencer o mercado de que as taxas curtas ficarão mais tempo zeradas, adotou a política conhecida por orientação prospectiva (“forward guidance”, FG). Estabeleceu que o momento no qual será iniciado um novo ciclo de aperto da política monetária dependerá do nível do desemprego –terá que estar abaixo de 6,5%– e da expectativa de inflação para os próximos dois anos –terá que estar acima de 2,5%.
O QE reduz a disponibilidade dos ativos longos no mercado e, consequentemente, aumenta seu preço relativo. O prêmio de liquidez se reduz.
No entanto, há sinais de que o Fed está desconfortável com o QE. O problema é que, ao ficar muito carregado de títulos longos, o BC americano certamente terá forte perda patrimonial quando os juros subirem (o que corresponde a uma queda no preço daqueles títulos). Assim, o QE tem uma dimensão fiscal que é impossível de ser eliminada.
O ideal para os membros do Fed seria trocar QE por FG. Isto é, desembarcar do programa de compras e convencer o mercado de que o tempo durante o qual as taxas curtas ficarão zeradas será ainda maior.
Os dois artigos apresentados pelos técnicos do Fed arrolam argumentos teóricos para justificar uma taxa curta zerada por mais tempo.
Independentemente da qualidade técnica dos trabalhos, trata-se de esforço retórico legítimo para preparar o mercado para a saída do QE sem grandes impactos sobre a taxa de juros de longo prazo.
O sucesso da empreitada dependerá da capacidade do Fed de convencer o mercado de que a troca de instrumentos (QE por FG) será processada. O primeiro instrumento envolve a compra corrente de títulos; o segundo, a sugestão de uma trajetória futura.
A dificuldade, a meu ver, é que o Fed está com a sua reputação arranhada após ter direcionado o mercado para o início do desembarque do QE em setembro e na última hora ter mudado de ideia. Isso não ajuda em nada o reforço da estratégia de orientação prospectiva (FG), que depende fundamentalmente da credibilidade.
Fonte: Folha de S. Paulo, 24/11/2013
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