Como num pesadelo, a presidente Dilma Rousseff continua presa ao primeiro mandato, embora tenha sido eleita para um segundo, e só se livrará dessa maldição quando conseguir – ou se conseguir – dar um jeito na bagunça criada nos últimos quatro anos, especialmente em 2014. Sem dinheiro, e sem perspectiva de uma arrecadação muito melhor neste fim de ano e ao longo do próximo, o governo terá de aumentar sua dívida para consertar as pedaladas fiscais do ano passado. A inflação próxima de 10%, o desemprego acima de 8% segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, o rebaixamento da nota de crédito, os programas sociais em risco e a perspectiva de um prolongado aperto são consequências dessa desordem. Não haverá novo mandato enquanto o governo for incapaz de juntar os cacos do primeiro e encaminhar o reparo. Além de corrigir as pedaladas fiscais do ano passado, cerca de R$ 40 bilhões, será preciso acertar a meta das contas públicas para este ano e fixar um alvo realista, e com um mínimo de decência, para 2016. Sem maior cuidado no planejamento e na gestão das contas, será difícil evitar o rebaixamento do Brasil ao grau especulativo por mais uma ou duas grandes agências de classificação.
[su_quote]Insistir no populismo apenas tornará o Brasil um pouco mais parecido com a Venezuela[/su_quote]
Pelo menos três anos estão encavalados na agenda econômica do governo. Ministros gastaram boa parte dos últimos dias tentando redefinir os números previstos para 2015 e para o próximo ano. Depois de rebaixar duas vezes a meta fiscal para este ano, foram forçados a mais uma revisão. É preciso desistir até do modesto superávit primário de 0,15% do produto interno bruto (PIB) anunciado em julho como novo objetivo (2% e 1,2% haviam sido os anteriores).
Na sexta-feira de manhã, o rombo das contas em 2015 era estimado na Casa Civil em cerca de R$ 76 bilhões, se fosse preciso compensar de uma vez as pedaladas de 2014. Para recordar: segundo o TCU, bancos oficiais financiaram o Tesouro, no ano passado, porque realizaram pagamentos mesmo sem ter recebido as verbas para programas oficiais. Esse financiamento é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, aprovada em 2000.
Mas até aqueles R$ 76 bilhões pareciam subestimados. Somando-se o déficit previsto e a compensação das pedaladas, o buraco chegaria perto de R$ 100 bilhões. Mas poderia ser diminuído com a adoção de mais algum abatimento da meta fiscal. Nenhum expediente desse tipo, no entanto, torna mais confortável a posição financeira do governo. A arrecadação de setembro, R$ 95,24 bilhões, foi 4,12% menor que a de um ano antes, descontada a inflação. A de janeiro a setembro, R$ 901,05 bilhões, foi 3,72% inferior à dos meses correspondentes de 2014. Nada permite estimar um desempenho muito melhor no trimestre final de 2015.
O problema imediato, portanto, é fechar as contas deste ano e acertar as pendências mais importantes e politicamente mais complicadas de 2014. Mas também é urgente arrumar o projeto do Orçamento-Geral da União para 2016. Os ministros econômicos têm insistido em manter a promessa de um superávit primário equivalente a 0,7% do PIB.
A meta é muito modesta e insuficiente para livrar o Tesouro da crise, mas, se for alcançada, permitirá pagar uma fração dos juros previstos para o ano e frear um pouco o endividamento. Algum resultado positivo é crucialmente importante, depois de dois anos com déficit primário.
Mesmo sem contar o risco de novo rebaixamento do crédito soberano, o país avançará rapidamente para uma situação insustentável se nenhum esforço sério for feito – pela primeira vez em muitos anos – para deter a destruição dos fundamentos da economia. Até com recessão prolongada será difícil evitar uma nova disparada dos preços, em parte alimentada por pressões cambiais, e todas as consequências da imprevisibilidade e da insegurança crescente. O Brasil já foi assolado em 2014 e em 2015 pela combinação desastrosa de contas públicas em deterioração, inflação acelerada e recessão.
A presidente Dilma Rousseff e alguns de seus ministros continuam descrevendo a situação do País como consequência da crise internacional, sem reconhecer os desmandos e asneiras acumulados a partir de 2010 e agravados nos primeiros quatro anos da presidente Dilma Rousseff. Pior que isso: a presidente parece ainda incapaz de entender a seriedade e o tamanho do problema.
Ela rejeitou a proposta do relator do projeto, deputado Ricardo Barros (PP-PR), de cortar R$ 10 bilhões do programa Bolsa Família em 2016. Sua reação mais notável foi distribuir uma crítica pelo Twitter. Ela tem direito de preferir outra saída, mas também tem a obrigação de assumir o custo político do ajuste. Onde cortar o suficiente para tornar exequível um resultado fiscal no mínimo razoável? Algumas semanas antes ela havia admitido o corte – modestíssimo – de 3 mil postos de livre nomeação. Mas logo desistiu, para evitar protestos e novos problemas quando já há o risco de um processo de impeachment. Ao recuar, chamou a atenção para sua dificuldade política de comandar um esforço de ajuste das contas públicas e de conserto dos fundamentos da economia.
É fácil destruir as finanças públicas de um país, distorcer preços, desperdiçar dinheiro e levar a economia à estagflação com ações populistas combinadas com benefícios a setores e a empresários selecionados. O retorno é muito mais complicado técnica e politicamente.
Nenhum problema se resolverá de forma indolor. Insistir no populismo apenas tornará o Brasil um pouco mais parecido com a Venezuela. Há uma distância enorme entre as condições econômicas e institucionais dos dois países, mas qualquer aproximação, mesmo limitada, fará o Brasil afundar mais no atoleiro. Falta saber se a presidente entenderá o perigo a tempo e, além disso, se terá disposição e condição política para fazer o necessário, mesmo contra a orientação do PT e de seu maior eleitor.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 25/10/2015.
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