O propalado fracasso na relação Dilma Rousseff com o Congresso mudará de vez a política do país, opina o cientista político Murillo de Aragão. Para ele, a falta de habilidade e de apreço de Dilma pela política põe um ponto final na postura submissa do Legislativo em relação ao Executivo.
O Globo: O que representa a atitude do presidente do Senado, Renan Calheiros, de devolver um projeto importante para o ajuste fiscal após ser avisado que seu nome estava na lista de políticos da Lava-Jato?
Murillo de Aragão: A atitude do Renan combina dois fatores claros para mim: primeiro, o desejo do Congresso de ser reconhecido como poder que é. É uma atitude institucional e segue tendência clara, que começou com a decisão de votar os vetos presidenciais e aprovar o orçamento impositivo. O segundo fator é operacional. A coordenação política do governo com o Congresso não está funcionando. Uma MP com essa relevância teria que ter sido previamente negociada com as principais lideranças.
O Globo: Renan já havia boicotado um jantar com Dilma. Ele passou de aliado preferencial a rebelde?
Murillo: Não acredito que a não ida tenha sido retaliação a alguma desfeita de natureza pessoal. O que existe é um desconforto dentro da coalizão do PMDB e um fortalecimento institucional do Congresso.
O Globo: Os nomes de Renan e Cunha na lista do procurador podem significar um enfraquecimento dessa independência do Legislativo?
Murillo: Qualquer envolvimento ou investigação traz desconforto. Agora, não atribuo a esse episódio o acirramento da relação entre governo e Congresso. São atitudes independentes. Estar incluído na lista é decisão do Ministério Público, a partir de investigações do Judiciário. Há um fortalecimento institucional e deficiência na coordenação política.
O Globo: O senhor faz um diagnóstico de crise no presidencialismo de coalização. Pode explicar o porquê?
Murillo: O presidencialismo de coalização visa dar ao presidente eleito uma maioria no Congresso. Seria, a grosso modo, um semiparlamentarismo, porque o governo precisa ter uma maioria para aprovar suas propostas e se proteger contra a oposição. Na medida em que as forças políticas do Congresso não se acham adequadamente representadas no governo, ocorrem tensões. E essas tensões ficaram evidenciadas ao longo do primeiro mandato de Dilma.
O Globo: Mas como chegou a esse ponto?
Murillo: Não houve a adequada participação dos partidos nos ministérios, na distribuição de cargos e de verbas relacionadas a esse suporte no Congresso. Com isso se criou um passivo de insatisfações e recalques que desemboca agora no segundo mandato. Ela está sendo emparedada pelo Congresso, que impõe sua agenda.
O Globo: Mas a presidente tem 39 ministros, com representantes desses partidos neles. O que não funciona?
Murillo: Os ministérios, muitas vezes, são vazios. Quem comanda a máquina não é o titular do partido que o ocupa. Recebe o ministério, mas não a caneta para administrar. E algumas vezes ela escolhe o ministro do partido, não é o partido que escolhe, o que gera tensão. E o terceiro ponto diz respeito à proporcionalidade não adequada ao tamanho das siglas no Congresso. O PT criou uma ideia de que ter a presidente daria uma supremacia maior do que deveria ter. Quem deveria mandar é a coalização dos partidos que apoiaram a eleição de Dilma e Michel Temer.
O Globo: Mas não foi sempre assim?
Murillo: O PMDB demorou a perceber que tem mais poder do que ele exerce efetivamente. Só após a irritação causada pelo primeiro mandato de Dilma é que o desperta para essa realidade.
Fonte: O Globo, 5/3/2015
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