Eu me recordo bem dos anos 1970, foi neles que passei toda a minha juventude. E me lembro, por exemplo, da passagem do governo do general Garrastazu Médici ao general Ernesto Geisel. A despeito de nuvens negras no horizonte, a autoconfiança nacional era inabalável. Enquanto o ministro do Planejamento, Reis Velloso, tratava de redigir o Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) – tão megalomaníaco quanto o PAC 2 -, o novo ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen, declarava solenemente que o Brasil era “uma ilha de tranquilidade em meio a um mar revolto”.
Quanto ao mar revolto, não havia a menor dúvida. A então famosa Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) estabeleceu um aumento de quatro vezes no preço do petróleo e pegou todo o mundo de surpresa. Lembro-me de que até então gasolina era barata. Eu morava no interior de São Paulo, possuía um Ford Galaxie que fazia 4 km por litro na estrada e sempre que nosso grupo ia participar de um baile em alguma cidade próxima todo mundo se oferecia para pagar o combustível. De repente isso acabou. Até o Galaxie, que tratei de vender por uma mixaria.
Bem, apesar da promessa de bonança, o fato é que a tempestade demorou um pouco, mas nos pegou em cheio. O Brasil produzia apenas 20% do petróleo que consumia e não eram poucos os que diziam que a “Petrobrás só era um gigante do chão para cima”. De fato, a empresa tinha time de futebol, vôlei, basquete e muitos outros esportes, reunidos em seu departamento desportivo. Explorava hotéis e restaurante, indústrias e comércio. Tinha monopólio na aquisição de petróleo e derivados e também no refinamento. A única coisa que não fazia – ou fazia pouco – era explorar petróleo.
Como hoje, naquela época não acreditávamos que a crise chegaria até nós. E, de fato, seu impacto foi atenuado por um axioma da economia: para algum lugar o dinheiro vai. O dinheiro fez um caminho tortuoso, mas acabou voltando para nós. O seu trajeto foi o seguinte: com a multiplicação dos preços do petróleo, os países da Opep ficaram com os cofres abarrotados. Como não tinham onde aplicar centenas de bilhões de dólares em seus próprios territórios, eles trataram de colocá-los nos bancos europeus. Estes tinham de garantir alguma remuneração aos capitais aplicados. E a opção deles foi oferecer crédito em abundância aos países do então Terceiro Mundo.
O dinheiro, dessa forma, acabou voltando para nós, só que na forma de dívidas. A aposta do governo Geisel foi a de que, realizados todos os projetos previstos no II PND, o Brasil teria recursos suficientes para quitar as dívidas assumidas sem comprometer o desenvolvimento. Mas a aposta falhou. Em 1981, por uma série de razões, iniciou-se nova crise do petróleo e os preços se multiplicaram novamente. Aí não tinha mais jeito. O Brasil mergulhou numa recessão, da qual só viria a sair mais de uma década depois.
Se há alguma lição nessa história, é a de que quando há uma crise mundial nenhum país sai ileso dela.
Agora, uma nova crise econômica se aproxima de nós: ela se iniciou nos Estados Unidos, multiplicou-se pela Europa, contagiou o Japão e atinge até mesmo a China. É ingenuidade acreditar que não aportará por aqui. O índice de crescimento do nosso produto interno bruto (PIB) em 2010 (7,5%) ficou acima da média histórica nacional, mas não alcançou os índices de países vizinhos como Argentina, Peru e Chile. O que houve por aqui foi muita propaganda ufanista. A queda em 2011, agora para 2,7%, é um prenúncio de que nuvens carregadas estão chegando por aí.
Como fica o governo Dilma nessas circunstâncias?
Se estivéssemos num regime parlamentarista, uma crise econômica de tal magnitude com certeza derrubaria o governo. O povo não está disposto a oferecer “sangue, suor e lágrimas”. O que todos esperam do governo é que continue a proporcionar bonança e prosperidade para todos. Mas no Brasil tudo se dá de forma diferente.
A presidente Dilma Rousseff conta com a maior base parlamentar da História recente da Nação. Anteriormente, só no regime militar algo similar foi possível. Proporcionalmente, o seu arco de apoios no Legislativo é maior que o de Hugo Chávez, na Venezuela. Não obstante, Dilma vem colhendo seguidas derrotas no Parlamento. O Senado rejeitou até mesmo uma indicação do Executivo para o preenchimento de um cargo numa agência estatal. Por um acordo de cavalheiros, indicações desse naipe são aprovadas sem nenhum questionamento. Que eu me recorde, a última vez que vexame semelhante ocorreu foi quando o então presidente Jânio Quadros indicou um nome para preencher uma embaixada. Esse fato selou o rompimento definitivo entre o Executivo e o Legislativo. E logo em seguida Jânio renunciou à Presidência.
A impressão que fica é a de que o Senado, bem como a Câmara dos Deputados quiseram passar um recado muito duro à presidente: apesar de seus 55 milhões de votos, não dá para ela governar sozinha. Mais cedo ou mais tarde, vai precisar do Congresso Nacional. E quando o procurar, vai ouvir o sinal de ocupado.
Dilma parece não pensar assim. Escorada em estratosférica popularidade, a presidente faz questão de demonstrar a sua ojeriza aos políticos e realçar a sua condição de “técnica”. Reside aí um imenso equívoco. Técnicos do nível dela existem milhares. Em condições de exercer a Presidência da República, no momento, só existe ela. Afinal, ela foi eleita para isso.
Enquanto a borrasca não vem, o governo, ao que parece, não acredita que ela chegue aqui. Já faz um ano e três meses que este governo tomou posse e de efetivo nada aconteceu.
Com todo o respeito à sra. presidente, quando é ela que pretende começar a governar?
Fonte: O Estado de S. Paulo, 23/03/2012
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