No final de 2005, a equipe econômica debateu a conveniência de um programa de ajuste fiscal de longo prazo. A ideia, nada revolucionária e para lá de sensata, propunha limitar o crescimento das despesas correntes do governo federal a um valor abaixo do aumento do PIB. Dessa forma o gasto corrente, medido como proporção do produto, cairia um pouco a cada ano.
[su_quote] Novos impostos apenas alimentarão o apetite de um governo cujas unhas não param de crescer[/su_quote]
Caberia, é claro, ajustar a velocidade do processo para determinar seu efeito anual médio, mas uma redução de, digamos, 0,2% do PIB por ano não parecia particularmente exagerada. Caso a proposta tivesse vingado então, quando o gasto corrente andava pela casa de 15,5% do PIB, hoje teríamos, numa primeira aproximação, reduzido essas despesas para pouco menos de 14% do PIB. E, diga-se, mesmo nesse cenário o crescimento das despesas correntes teria superado a inflação, permitindo até a expansão dos serviços públicos.
Ao invés disso, elevamos as despesas federais correntes para 18,5% do PIB, enquanto as despesas totais bateram todos os recordes, situando-se em 20% do PIB, superiores a R$ 1 trilhão. A diferença entre nossa situação atual e a que poderíamos ter atingido equivale a pouco menos de 5% do PIB. Expresso em números mais próximos à nossa experiência, o governo federal poderia ter gasto cerca de R$ 250 bilhões a menos do que gastou no ano passado, caso aquela proposta tivesse sido adotada.
No entanto, não foi. E, como se sabe, a oposição a ela foi capitaneada pela então ministra da Casa Civil, que não apenas a classificou de “rudimentar” mas afirmou para quem quisesse ouvir: “Despesa corrente é vida. Ou você proíbe o povo de nascer, de morrer, de comer ou de adoecer ou vai ter despesa corrente”.
O descalabro das despesas públicas no governo Dilma, quando o gasto federal saltou 2,7% do PIB (0,7% do PIB por ano), não se deve, pois, ao acaso. Para fins de comparação, no governo Lula, em oito anos, o dispêndio cresceu 1,7% do PIB (0,2% do PIB por ano), enquanto no governo FHC, de 1997 (quando a série começa) a 2002, a despesa havia se expandido em 1,5% do PIB (0,3% do PIB por ano).
A conclusão inescapável é que jamais houve governo tão “gastão”, mesmo depois de a presidente ter vindo a público ainda no começo do seu primeiro mandato comparando o controle do gasto corrente a “cortar as unhas, pois, se você não olhar para alguns gastos, eles explodem, (…) tem que cortar as unhas sempre”. Aliás, na mesma entrevista, a presidente garantiu “guerra à inflação”, uma boa medida para aferir a veracidade de seus compromissos com a estabilidade econômica.
O resultado dessa aventura fiscal, que, reitero, reflete fielmente o pensamento (se assim pudermos chamá-lo) da presidente, traduz-se exemplarmente no desempenho do ano passado. O governo registrou o primeiro deficit primário desde 1997, e o deficit total, com auxílio luxuoso das perdas do BC no mercado de câmbio, atingiu 6,7% do PIB, também o mais elevado desde 1997.
A dívida pública, pouco superior a 53% do PIB no começo de sua administração, pulou para mais de 63% do PIB em dezembro de 2014 (69% do PIB, caso adotemos critérios internacionais), deixando claros os limites de seu keynesianismo rudimentar.
Diante do desastre na gestão das finanças públicas, mais uma vez recorremos ao aumento de impostos para fechar as contas, embora haja dúvidas razoáveis acerca da possibilidade de atingirmos mesmo a modesta meta de saldo primário de 1,2% do PIB (R$ 66 bilhões) neste ano.
Reconheço que se trata de mal inevitável dada a situação delicada em que nos encontramos. Isto dito, mais que nunca, cabe exigir que a contrapartida de impostos mais altos seja -dez anos depois de torpedeada pela presidente- a adoção de um programa de ajuste de longo prazo nos moldes acima discutidos. Sem isso, novos impostos, como no passado, apenas alimentarão o apetite de um governo cujas unhas não param de crescer.
Fonte: Folha de S.Paulo, 04/02/2015.
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