A meteorologia política indica nuvens carregadas no horizonte econômico da presidente eleita, Dilma Rousseff. A inflação fecha 2010 em alta, e o déficit fiscal para 2011 ameaça furar as metas. Dilma e sua equipe não podem contemporizar com tais indicadores sem arriscar o descontrole político. O novo time, que é experiente e foi escolhido com critérios técnicos razoáveis, entrará em campo com um desafio de menor magnitude, mas de natureza semelhante ao enfrentado por Lula em 2003.
Em 2002, já eleito, Lula negociou com a equipe do então presidente, FHC, no Banco Central (BC), uma alta preventiva do juro, que então subiu aos píncaros de 25% em dezembro. Armínio Fraga, que se despedia da presidência do BC, pagou o pedágio de elevar o juro básico na saída do cargo. Eram tempos extremamente delicados e difíceis.
A situação de hoje não se compara àquela em gravidade, mas a natureza do processo inflacionário lembra 2002. Temos uma economia muito mais bem defendida na ótica das reservas e do influxo – até excessivo – de moeda estrangeira. Contudo, há uma diferença fundamental para pior: a conta de pagamentos externos é altamente deficitária agora, enquanto Lula recebera de FHC uma taxa cambial extremamente favorável para exportar, inclusive produtos industriais, numa relação bastante competitiva entre custos e preços em dólares.
Dilma enfrentará o quadro externo invertido, de cabeça para baixo. Começará de um ponto muito favorável na balança externa, com os preços das matérias-primas inflados ao máximo; porém, o rumo de seu governo, no plano econômico, poderá vir a se deteriorar de modo surpreendente para os desavisados, bastando apenas que a periclitante situação financeira na Europa e nos Estados Unidos venha a confirmar seu previsível agravamento no ano que começa. Lula, com a estrela que tem, fez o percurso contrário: entrou quando tudo parecia desfavorável, mas isso seria apenas o ponto mais baixo de uma curva sempre ascendente de recuperação do panorama interno e mundial. E Lula sai de cena agora, surfando no alto dessa onda, pronta para quebrar, a qualquer momento, com uma pancada de fragor insuspeitado.
As reformas fiscal e política precisam andar. Não se pode perder tempo em um susto com a inflação lidar com a deterioração do panorama externo será o primeiro desafio da nova presidente. Lula só se preocupou com isso em 2008, no sexto ano de seu mandato. Lidar com as expectativas do público brasileiro será o segundo desafio de Dilma. Sim, porque a curva de expectativas populares foi sempre ascendente no duplo mandato do padrinho. E Lula soube administrar esse otimismo coletivo de modo magistral, com mais crédito para bens duráveis e casa própria, dos gastos públicos e do PAC, e de um aumento real de salários da ordem de 40% (contra quase zero no período FHC). Com sua oratória improvisada de propósito, Lula se apropriou de tudo que emergia de bom a partir da estabilização da moeda, como nunca dantes no discurso político de um presidente brasileiro.
Dilma administrará a expansão do crédito já em curva descendente, a elevação do gasto corrente e os aumentos reais de salários. Enfrentará, portanto, uma inversão de expectativa. Para lidar com isso, não bastará repetir a política do feijão com arroz nem a conversa de Copa do Mundo e Olimpíadas. O rumo da prosa terá de envolver matérias substanciais, que deixem a marca da administração voltada para o novo e para o futuro. A pauta mais importante do país, se ela quiser manter a indústria brasileira viva contra a brutal competição chinesa e asiática, nos remete à aprovação de uma nova estrutura tributária, com menos impostos, mais simples e transparentes na hora de pagar, e mais inteligentes no momento de distribuir receitas fiscais aos entes públicos gastadores da verba pública. Dilma tem a reforma fiscal e uma reforma política para aprovar em 2011. Tempo curto, que não pode ser desperdiçado com o susto de uma inflação em alta. É hora, portanto, de o Banco Central se antecipar e agir de imediato.
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