Existem acumuladores de diversos tipos, dos selos e moedas até bonecos e quadrinhos. Gustavo Câmara foi além e criou uma startup para ajudar a manter sua obsessão viva: ser um “milheiro”, ou acumulador frenético de milhas. Como percebeu, ele não está sozinho no meio hobby, meio renda extra.
A Virtus começou a operar na virada de 2017 para 2018, com uma ideia de negócio que soa óbvia: é possível trocar seu limite no cartão de crédito por milhas. Esse limite, então, é cedido pela startup a quem não conseguiria parcelar compras, em troca de juros.
Apesar da premissa simples, nos bastidores da Virtus não há sorte de principiante. Seus três fundadores, incluindo Câmara, possuem experiência no setor financeiro, enquanto empresas como BTG Pactual e Visa já apoiaram a startup.
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Com quase um ano de operação, a Virtus possui 1.000 usuários, entre doadores de limite e tomadores de crédito. O dinheiro captado é suficiente para operar uma carteira de concessão de ao menos 10 milhões de reais.
Falhas de mercado
A ideia para a Virtus surgiu de um hábito que Câmara tinha há anos: emprestar seu cartão de crédito para a irmã, que queria fazer compras pela internet. “Tinha um bom programa de milhas e fazia de tudo para acumular. Em todo lugar passava compras no crédito”, conta o empreendedor.
Esse hábito de acumular milhas só virou ideia de negócio em 2016, após algumas pesquisas de mercado. Segundo Câmara, o Brasil possui 104 milhões de brasileiros com acesso restrito a crédito, desde os desbancarizados até os que possuem acesso restrito a cartões e financiamentos. Ao mesmo tempo, há 350 bilhões de reais em limites não utilizados nos cartões de crédito do país.
“Setores como o comércio eletrônico, em que metade das compras são parceladas, poderiam ganhar muito mais com o aumento dos usuários que podem dividir o pagamento das suas compras”, diz. Apenas em 2017, o e-commerce faturou 47 bilhões de reais.
Câmara foi um dos fundadores do aplicativo de mobilidade urbana 99 e trabalhou por mais de dez anos na indústria financeira, incluindo a estruturação de cartões de crédito para negócios como Lojas Americanas e Shoptime. Para abrir a Virtus, Câmara se uniu em fevereiro de 2017 aos sócios Fabio Colella, especializado em meios de pagamento e com 15 anos de experiência em bancos e varejo, e Lucas Vieira, com 15 anos de experiência em gestão e estratégia de crédito e cobrança em produtos massificados.
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Para validar a ideia de trocar limites de crédito por milhas, os empreendedores passaram por uma aceleração na Startup Farm. Depois, participaram do programa global de inovação aberta Visa Everywhere Initiative, onde desenvolveram a estrutura jurídica necessária para tal operação, incluindo a possibilidade de oferecer os limites trocados por milhas como parcelamento para desbancarizados ou pouco bancarizados.
O mínimo produto viável (MVP) ficou pronto no final do ano passado e a startup começou a realmente operar em janeiro de 2018.
Como funciona?
Quem quiser ceder seu limite deve entrar no site da Virtus e fazer um cadastro, colocando informações pessoais, como o número do RG, e sobre seus cartões, como quanto limite será concedido e a data de vencimento da fatura (que é quando a Virtus irá fornecer suas milhas).
De acordo com Câmara, o perfil de “milheiro” hoje é o cliente de alta renda, com muito limite sobrando. Não há mínimo de limite concedido pela Virtus, mas o máximo fica em 30 mil reais por cartão.
Esse limite do usuário da Virtus fica congelado e vai para um outro usuário da startup, desta vez cadastrado como interessado em receber dinheiro para poder pagar compras online. A Virtus analisa bancos de dados estruturados, como bureaus de crédito (Serasa e SPC), e também outros seis bancos de dados não-estruturados, como redes sociais.
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Após essa análise, o dinheiro é concedido a uma taxa que varia de acordo com o risco de crédito de cada usuário – em média, o juro é de 5% ao mês. Além dessa taxa, outra fonte de monetização para a Virtus são as lojas que venderam para os usuários da startup. Os estabelecimentos podem pedir a antecipação de recebíveis – receber à vista o dinheiro de uma compra que foi parcelada. A startup cobra das lojas juros sobre essa operação (spread).
A Virtus possui estabelecimentos parceiros, como a gigante de telefonia Claro, mas seus usuários também podem comprar de estabelecimentos não-parceiros. A diferença está na agilidade e qualidade da análise de crédito concedida, o que se reflete em maior potencial de venda aos parceiros.
Quando a fatura do usuário credor fechar, ele recebe de volta seu dinheiro junto de suas milhas. Em caso de inadimplência do tomador de limite, a Virtus se responsabiliza e cobre o valor usado.
Próximos passos
Neste semestre, a Virtus passou pela segunda turma do BTG Pactual boostLAB, um programa de potencialização para startups de alto crescimento (com inscrições abertas até janeiro de 2019). O objetivo da startup era fortalecer seu sistema de concessão de crédito, por meio do relacionamento com players financeiros.
Durante o boostLAB, a Virtus triplicou o número de emprestadores de limite e de volume de crédito disponível. Além disso, dobrou o número de tomadores e, com isso, as receitas para a startup também duplicaram.
Até o final de 2019, a Virtus projeta chegar a um total de 100 milhões de reais em limites captados e a 60 milhões em operações de crédito diretas ao consumidor. Nesse estágio da startup, de atração dos clientes mais aficionados por milhas, Câmara afirma que o mercado endereçável é de 1,75 bilhão de reais em limites. Se atingido tal valor, a solução pode gerar uma receita adicional de 12 bilhões de reais ao setor de e-commerce.
No futuro, a Virtus espera conquistar 10% do total de 350 bilhões de reais em limites não utilizados nos cartões de crédito do país, chegando a um mercado de 35 bilhões de reais.
Fonte: “Exame”