O debate atual sobre as queimadas, o desmatamento e o garimpo ilegais ganhou repercussão internacional e transformou-se na mais grave crise externa brasileira desde os anos 70 e 80, causada também por críticas às políticas de meio ambiente e de direitos humanos.
No Brasil, vivíamos num governo militar e um de seus dogmas era “Amazônia, integrar para não entregar”. A visão defensiva prevalecia em 1972, por ocasião da histórica Conferência Internacional sobre Meio Ambiente, organizada pela ONU, em Estocolmo. A retórica do atual governo repete os argumentos dos militares de então. Na época, a sanção foi política, com a deterioração da imagem do Brasil no exterior.
No último dia 29, sucedi ao naturalista e homem público Paulo Nogueira Neto na Academia Paulista de Letras. Em discurso de posse, recordei a atualidade da atuação de Nogueira Neto, responsável pela política ambiental, pela legislação interna e pela criação de estruturas administrativas como a Sema e o Ibama, que desaguaram no atual Ministério do Meio Ambiente. No âmbito governamental, participou da referida conferência de Estocolmo de chefes de Estado. A atuação do Brasil é lembrada por sua oposição a uma agenda meramente ambientalista e pela proposta de associar meio ambiente a desenvolvimento, antecipando a evolução da agenda ambiental e assegurando a defesa da soberania do País. Pode-se dizer que o Brasil, nas negociações ambientais, passou de posição defensiva para a de um país com atuação ativa e construtiva e, até recentemente, à de indiscutível liderança.
A partir da Rio-92, meio ambiente passou a ser considerado uma questão social global. Novas forças se associaram às políticas públicas: o consumidor, as ONGs e, mais recentemente, a onda verde na Europa. Atuam punindo os infratores com boicotes, mudanças de hábitos de consumo e pressionando por regras internacionais verificáveis.
A mudança climática obedece à lei da física, e não a princípios ideológicos. Nos fóruns internacionais esse tema deverá permanecer vivo e em pauta, pela crescente preocupação com a saúde do planeta. Até os cardeais, no próximo sínodo no Vaticano, vão discutir a Amazônia. Na Organização Mundial do Comércio discute-se um acordo sobre meio ambiente que, juntamente com cláusulas ambientais incluídas nos acordos comerciais, é mandatório. Levado à consideração do G-7, que congrega países desenvolvidos, sem ameaças à soberania, ficou decidido que recursos técnicos e financeiros serão oferecidos aos países amazônicos, o Brasil incluído.
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Diferentemente do ocorrido nas décadas de 1970 e 1980, hoje as consequências negativas para o Brasil, além de políticas, são comerciais.
Os interesses em jogo são muito grandes. Nos próximos dez anos, projeta-se uma crescente demanda de produtos brasileiros. A política comercial tornou-se um instrumento da política climática. A proteção do meio ambiente tornou-se questão de competitividade internacional. A ausência de diretrizes objetivas sobre o tema é vista como afetando o cumprimento dos compromissos assumidos pelo Brasil, comprometendo seu papel protagônico exercido globalmente, mas também passa a impressão de retrocessos nos esforços de redução de emissões de gases de efeito estufa, nas necessárias ações de fiscalização e no não cumprimento da Política Nacional sobre Mudança do Clima. Alguns países europeus ameaçam não ratificar o acordo comercial com o Mercosul. O mundo está observando nossas ações que terão o poder de salvar ou destruir a maior floresta tropical do planeta, como ressaltou a influente e insuspeita The Economist em sua principal matéria no início de agosto.
A confrontação alimenta campanhas contra o País, estimuladas por motivações políticas e comerciais. Sob pressão dos acontecimentos, o governo declarou tolerância zero com as queimadas e prometeu medidas drásticas para conter os desmatamentos e o garimpo ilegais, com Ibama, ICMBio, Polícia Federal e Forças Armadas, e vai promover iniciativas para tentar mudar a imagem negativa no exterior, como tristemente exemplificada pelas manifestações contra embaixadas brasileiras em muitas capitais.
O Brasil deve abandonar a posição defensiva que passou a adotar. Se não por convicção arraigada, que seja por pragmatismo e realismo político, para a defesa de interesses comerciais concretos e para restabelecer a percepção externa sobre o Brasil. Não há como confrontar a tendência global de definir políticas de preservação do meio ambiente e de mudança do clima. Esse tema passará a interferir cada vez mais na estratégia de negócios. Urge a definição de uma estratégia que retire o Brasil do isolamento e, em especial, proteja o setor do agronegócio, que sofrerá as consequências caso o País descumpra os compromissos internacionais assumidos, inclusive no acordo recente com a União Europeia. Os interesses da agroindústria estão associados à preservação ambiental da Amazônia, parte essencial do exercício da soberania. Aguarda-se com expectativa o pronunciamento do presidente no tocante à questão ambiental na abertura da Assembleia-Geral das Nações Unidas, este mês.
Impõe-se o exame objetivo dos compromissos internacionais assumidos voluntariamente pelo Brasil e o grau de seu cumprimento pelo governo brasileiro. A divulgação dos resultados desapaixonados desse trabalho poderia ser utilizada pelo governo e pelo setor privado no que estou chamando de diplomacia ambiental. Essa ação esclarecerá o engajamento e as medidas concretas necessárias para defesa do interesse nacional e fazer o que foi feito na crise dos anos 70-80: uma política de transparência para esvaziar a campanha contra as políticas do atual governo.
O Brasil é certamente o país que mais tem a ganhar com o reforço dos padrões mundiais de exigência quanto à sustentabilidade. Nossa liderança nessa área nos poria à frente dos principais concorrentes não só para o comércio, mas também para a captação de investimentos.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 10/9/2019