A legislação tributária brasileira, ao contrário do que ocorre em outros países, ainda não sistematizou os direitos dos contribuintes, que se encontram esparsamente divididos entre normas constitucionais e legais. Certamente, no contexto de uma indispensável revisão do Código Tributário Nacional – excepcional peça jurídica, porém desatualizada -, seria recomendável reservar um capítulo específico para a sistematização daqueles direitos, em proveito de um maior equilíbrio nas relações entre o Fisco e o contribuinte.
No âmbito desses direitos, a Constituição prescreve os princípios da irretroatividade e da anterioridade, em virtude dos quais a lei não pode instituir ou majorar tributos em relação a fatos geradores pretéritos (art. 150, III, a) nem no mesmo exercício financeiro em que tenha sido publicada (art. 150, III, b).
São princípios universais, que estão associados às origens do Estado fiscal moderno e se inscrevem no domínio mais amplo da segurança jurídica orientada para a previsibilidade do que se pretende extrair da sociedade, a título de tributos, e para a garantia na consecução de expectativas legitimamente constituídas pelo cidadão e pela empresa.
A modelação da anterioridade, no caso brasileiro, segue um formato peculiar. À vedação de cobrança de tributos que tenham sido instituídos ou majorados no mesmo exercício se acrescenta a exigência da noventena (art. 150, III, c). Essa norma estabelece que a eficácia da lei tributária deve ser diferida para, ao menos, 90 dias da data de sua vigência.
O texto constitucional, todavia, admite muitas exceções no tocante à abrangência das vedações previstas no art. 150, III: as alíneas b e c não se aplicam aos impostos sobre o comércio exterior, ao IOF e ao imposto extraordinário a que se refere o art. 154, II; a alínea b não alcança o IPI e as contribuições sociais; e a alínea c não incide sobre o Imposto de Renda, o IPVA e o IPTU.
Excluir os impostos sobre o comércio exterior e o IOF das vedações ao princípio da anterioridade encontra, sem lugar a dúvidas, respaldo na natureza eminentemente regulatória desses tributos. De igual forma, não cabe cogitar da aplicação desse princípio ao imposto extraordinário, a ser instituído somente em caso de guerra externa.
Esse cipoal de regras responde por situações esdrúxulas. As alterações no Imposto de Renda ou na base de cálculo do IPVA e do IPTU somente produzem efeito se aprovadas até 31 de dezembro do exercício anterior, ainda que a circulação do Diário Oficial venha a ocorrer segundos antes do espocar dos fogos do ano-novo, conforme sustenta farta jurisprudência. Nessa hipótese, pode-se concluir que, de fato, não houve respeito ao princípio da anterioridade em sua concepção original..
O IPI, o PIS e a Cofins incidentes sobre bebidas admitem, à opção do contribuinte, regimes de incidência ad valorem ou ad rem, tendo por base, respectivamente, o preço do produto ou um valor fixo expresso em reais. Tendo o contribuinte optado por um dos regimes, é inevitável
que qualquer aumento subsequente seja condicionado à observância da regra da noventena, pois é completamente descabido, por falta de fundamentação constitucional ou infraconstitucional, alegar que a possibilidade da opção afasta a aplicação da regra.
É verdade que o processo orçamentário brasileiro há muito tempo desandou completamente, convertendo-se em peça meramente formal. Esse quadro, entretanto, se torna ainda mais dramático quando articulado com as normas de anterioridade.
O Orçamento-Geral da União deve ser encaminhado ao Congresso Nacional até quatro meses antes do encerramento do exercício financeiro. Nesse período, contudo, desde que em consonância com as normas de anterioridade, podem ser instituídos ou majorados tributos. No caso, as receitas que informam o Orçamento devem ser revistas com repercussão sobre as despesas programadas. Mais grave: quando o Orçamento inclui receitas de tributos sujeitos à extinção antes do encerramento do exercício financeiro subsequente, como ocorreu com a CPMF, recorre-se à estranha figura da “receita condicionada”, cuja supressão gera transtornos imprevisíveis.
Parece claro, portanto, que é necessário dar um novo contorno normativo à anterioridade. Relatório apresentado pelo senador Francisco Dornelles no âmbito de comissão especial de reforma tributária do Senado Federal, oferece uma solução para o problema: ressalvados os casos dos tributos regulatórios e extraordinários, só produziriam efeitos, em um exercício, as normas tributárias aprovadas até junho do exercício anterior. A proposta soluciona, com um só golpe, todas as assinaladas deficiências da anterioridade. Tornar-se-ia ainda melhor se pudesse abranger também as obrigações acessórias.
É certo que a proposição demandará emenda constitucional. Seu teor, todavia, é simples, em contraste com a miríade de propostas constitucionais tributárias que conseguem evidenciar a tese de que a capacidade de piorar é infinita.
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