A Câmara dos Deputados deve votar entre estas terça (9) e quarta-feira (10) o projeto que prevê autonomia para o Banco Central.
O tema é discutido desde 1991, e o projeto em análise na Câmara já foi aprovado pelo Senado. Segundo o relator, Silvio Costa Filho (Republicanos-PE), o parecer já foi chancelado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e pelo próprio presidente do BC, Roberto Campos Neto.
Entre outros pontos, a proposta define que haverá mandato de quatro anos para o presidente e os diretores do BC e que o mandato deles não coincidirá com o mandato do presidente da República.
O Banco Central tem nove diretores, um deles é o presidente da instituição. Indicados pelo presidente da República, os aspirantes aos cargos passam por sabatina e votação no Senado.
O projeto em discussão não altera a composição da diretoria colegiada do Banco Central e prevê que todos eles podem ser reconduzidos ao cargo, uma única vez, por igual período.
Entre outras funções, cabe ao Banco Central, por meio do Comitê de Política Monetária (Copom), definir a taxa Selic, a taxa básica de juros da economia.
Atualmente, a Selic está em 2% ao ano, tendo por base uma meta central de inflação de 3,75% neste ano e de 3,5% em 2022. Há um intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima e para baixo – sem que a meta seja formalmente descumprida.
A ideia do projeto é que, não podendo a diretoria da instituição ser demitida por eventualmente subir o juro, sua atuação seja exclusivamente técnica — focada no combate à inflação.
Relator
O relator da proposta, Silvio Costa Filho, disse nesta segunda-feira (8) que as principais economias do mundo, como Estados Unidos, Alemanha, Espanha e Japão, têm bancos centrais autônomos.
Para ele, a aprovação de um projeto sobre o tema no Brasil seria um sinal ao mercado que daria mais credibilidade ao país.
“O Banco Central tem que ser uma política de Estado e não de governo. O BC não pode estar refém do governo. Por isso que é importante ter essa independência e a gente vai avançar nessa direção”, avaliou o deputado.
Quem já comandou o BC diz o quê?
A autonomia do Banco Central é defendida pela atual equipe econômica. O plano de governo apresentado por Jair Bolsonaro nas eleições de 2018 falava em “independência formal” da instituição.
No ano passado, o atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, afirmou que a autonomia do BC seria uma “agenda necessária”. Para ele, decisões “voluntaristas” sobre a taxa de juros podem não ser suficientes para enfrentar os desafios.
Antecessor de Campos Neto no cargo, Ilan Goldafjn também defendia a medida. Em 2016, ele disse considerar “importante” que o Brasil deixasse de ser “um dos poucos países que não tem uma lei de autonomia” para a autoridade monetária.
Alexandre Tombini, que comandou o BC na gestão Dilma Rousseff (2011-2016), afirmou ao Senado, durante sabatina, que teria “autonomia operacional plena” para definir a taxa básica de juros e perseguir as metas de inflação, mas não citou a autonomia legal.
Mais adiante, em 2016, Tombini admitiu que havia pressões políticas antes das reuniões do Copom, mas negou que houvesse ingerência do governo.
“Ingerência, não. Pressão politica, sempre há. Em algumas reuniões, mais do que outras, pressões de todos os lados”, afirmou, na ocasião.
Henrique Meirelles, que comandou o BC durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), avaliou que, depois que o mercado e os agentes econômicos entendem que as decisões são tomadas com independência, a “autonomia legal deixa de ser primordial”.
“Não há dúvida, no entanto, de que do ponto de vista institucional e de sustentabilidade existe uma grande vantagem na independência legal, pois não haverá margem para dúvida sobre a independência dos dirigentes do Banco Central na medida em que ela é garantida por lei”, acrescentou Meirelles, em avaliação publicada pela instituição.
Coronavírus e desigualdades
Em artigo, Fernando Restoy, do Instituto de Estabilidade Financeira do Banco de Compensações Internacionais (BIS), considerado o BC dos bancos centrais, avaliou que a crise do coronavírus mostrou como “diferentes instrumentos de política poderiam ser ativados em paralelo por diferentes agências com o objetivo de estabilizar a economia e o sistema financeiro”.
No Brasil, o BC atuou injetando liquidez nos mercados e autorizando o aumento de capital dos bancos como forma de evitar uma recessão e forte aumento do desemprego. Também articulou programas de crédito emergenciais. Logo no começo da pandemia, o BC anunciou a liberação de R$ 1,2 trilhão para os bancos emprestarem.
Restoy ponderou, entretanto, que uma “resposta política coordenada” pode se tornar “mais severa” conforme as autoridades decidem sobre o ritmo de normalização.
Para ele, o acúmulo de responsabilidades por autoridades independentes levanta questões de legitimidade democrática e responsabilidade. “Estes precisam ser gerenciados de forma satisfatória para que a fórmula escolhida seja socialmente aceitável e, portanto, sustentável”, concluiu.
Na avaliação que faz sobre os países membros, o Fundo Monetário Internacional (FMI) afirma que a aprovação da independência formal do banco central brasileiro pode fortalecer ainda mais a integridade da instituição.
‘Restrições substantivas’
Em janeiro deste ano, os economistas Michael Aklin, Andreas Kern e Mario Negre publicaram um artigo na página do Banco Mundial no qual afirmaram que a independência dos bancos centrais introduz “restrições substantivas aos formuladores de políticas para orientar os resultados macroeconômicos gerais, responder a choques adversos” e que isso tem gerado “crescentes de desigualdade de renda ao longo do nos últimos 40 anos”.
“A independência do banco central, por si só, não é ruim. Mas devemos pensar nessas modificações importantes no ‘modus operandi’ de um Estado como mexer com um sistema extremamente complexo (…) Um Estado que não pode se envolver na política fiscal e monetária pode ser um leviatã impotente à mercê de adversários populistas”, concluíram os pesquisadores.
Fonte: “G1”, 09/02/2021
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