O próximo governo terá que encontrar uma saída estrutural para um custo bilionário do setor elétrico, que tem pressionado as tarifas de energia e provocado uma intensa disputa judicial. A briga envolve quem deve pagar a conta pela redução da geração de eletricidade por meio de hidrelétricas e pelo acionamento de usinas termelétricas, que são mais caras, no jargão do setor, o chamado risco hidrológico. Esse passivo deve chegar a R$ 38 bilhões neste ano.
Parte do valor (R$ 13 bilhões) é alvo de uma série de processos na Justiça, que ameaçam travar o mercado de curto prazo de energia. Mas já está certo que a maior fatia (R$ 25 bilhões) será paga pelos consumidores residenciais dentro das tarifas.
Para essa categoria de usuários, a origem do problema está no regime de cotas (preços tabelados para pagar a energia gerada por algumas hidrelétricas antigas). O sistema foi criado pela medida provisória (MP) 579, editada pela ex-presidente Dilma Rousseff em 2012 para baixar as tarifas — o que foi anulado por seguidas altas de preços. Nesses contratos, o risco decorrente da falta de chuvas é transferido aos consumidores.
As distribuidoras repassam os custos extras decorrentes da geração por termelétricas aos clientes por meio das bandeiras tarifárias das contas. Parte desse montante, porém, não é capturado pela bandeira e será repassado ao consumidor nos reajustes das tarifas no próximo ano. Além disso, desde o ano passado, esse risco é considerado no cálculo das bandeiras tarifárias, que devem permanecer no segundo patamar da cor vermelha, com custo adicional de R$ 5 a cada cem quilowatts-hora (kWh) consumidos até o fim do ano.
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Existe ainda um outro passivo bilionário relacionado ao chamado risco hidrológico que tem gerado uma briga judicial. Algumas usinas hidrelétricas alegam que foram obrigadas a reduzir sua geração de energia por decisões do governo e não apenas pela falta de chuvas. Na prática, uma das razões alegadas pelas empresas é que termelétricas mais caras foram acionadas antes que a sua participação fosse necessária. Por isso, recorreram à Justiça para não pagar a conta, que deve chegar a R$ 13 bilhões até o fim do ano, segundo projeções feitas pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). O valor chega a ser maior do que a arrecadação prevista pelo governo com a privatização da Eletrobras, de R$ 12 bilhões. O passivo é resultado de 160 liminares da Justiça.
As hidrelétricas também reclamam, por exemplo, que houve importação de energia para o sistema elétrico nacional; limitação na transmissão de eletricidade por atrasos em obras; subsídios dados às usinas de Santo Antônio, Jirau e Belo Monte e até mesmo aumento da geração de energia eólica e solar. Para não pagar essa conta, centenas de geradores de energia conseguiram liminares na Justiça. Para Mário Menel, presidente do Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase), esse é o principal problema do setor elétrico neste momento.
— Isso está travando o mercado como um todo, em função das liminares que alguns geradores conseguiram. É um dinheiro que poderia estar circulando, mas está bloqueado — disse.
Uma solução para esse problema se arrasta desde 2015, em meio a chuvas abaixo da média na região das usinas. Esse quadro vem se repetindo desde então.
— A solução que se dará a esse problema vai definir como será o governo na energia. Se não fizer nada, terá abandonado o setor. Se ceder e repassar todos os riscos aos consumidores, estará assumindo uma posição intervencionista. É necessário separar adequadamente o que é risco de mercado, que deve ficar com o mercado, e o que resulta da intervenção de governo, que precisa ser corrigido — disse o ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética Luiz Augusto Barroso.
Agentes do setor elétrico avaliam que o problema, no caso da disputa judicial, só será resolvido no próximo ano. Uma solução retroativa para a briga foi estabelecida no projeto de lei em discussão no Senado que permite a privatização das distribuidoras de energia da Eletrobras. Como a venda das empresas é polêmica e tem pouco apoio político, não há previsão de quando o assunto será discutido. Por esse projeto, o prazo de concessão das usinas será estendido, em troca de essas empresas desistirem das ações judiciais.
— Tem gente que está deixando de pagar e gente que está deixando de receber. Em algum momento haverá um colapso. É prioritário que isso tenha um encaminhamento urgente — disse Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil.
A analista de mercado da Safira Energia Juliana Hornink observa que, mesmo resolvendo o passado, é preciso encontrar uma solução para o futuro:
— A gente precisa olhar para o futuro e encontrar uma solução estrutural para o risco hidrológico.
Fonte: “O Globo”