A distorção na estrutura de carreiras do funcionalismo público no Brasil chegou a tal ponto que alguns salários iniciais podem ser maiores do que a remuneração de cargos de chefia estratégicos. De acordo com o Ministério do Planejamento, o cargo chamado DAS 6 — a remuneração básica de secretários dos ministérios, diretores do Banco Central e dirigentes das agências reguladoras quando essas pessoas vêm do setor privado — é hoje de R$ 15.480. Isso faz com que, em muitos casos, os chefes ganhem menos que os subordinados. O valor é menor, por exemplo, do que o recebido por um gestor em início de carreira (R$ 16.934), um auditor (R$ 19.211) ou um servidor da área jurídica do governo (R$ 19.198).
Os números fazem parte de um levantamento feito pelo ex-ministro do Planejamento e da Fazenda Nelson Barbosa que será apresentado em fórum da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) na próxima terça-feira. O trabalho destaca que a distorção desestimula a entrada de profissionais da iniciativa privada no setor público e faz com que a administração pública seja dominada por servidores que “tendem a atuar como líderes de pressões corporativas”.
Um exemplo do desequilíbrio entre as remunerações está no Banco Central, onde algumas das diretorias são comandadas por profissionais que vieram da iniciativa privada. O diretor de Política Monetária do BC, Reinaldo Le Grazie, por exemplo, tem um salário bruto em torno de R$ 16 mil. Esse é o mesmo caso do diretor de Política Econômica, Carlos Viana de Carvalho. No entanto, há analistas concursados do BC com menos de cinco anos de casa que ganham mais de R$ 20 mil.
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A Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB) diz que as pessoas que entram no serviço público por indicação política têm de receber menos que os servidores em início de carreira.
— Está correto. Quem vem de fora é QI, quem indica. Não tem confiança e não tem responsabilidade com o Estado — disse o diretor de Relações Institucionais e responsável por assuntos da área federal da CSPB, João Paulo Ribeiro. — Funcionário público de carreira tem de ser valorizado com um salário condizente com o de mercado para diminuir a corrupção.
Folha responde por 48% do gastos primários
Na contramão, o ex-ministro Nelson Barbosa alerta para o fato de que a atual forma de estrutura das carreiras (onde os servidores atingem o topo muito cedo) contribui para que o governo sofra pressões para conceder reajustes cada vez maiores nas negociações com as categorias. Barbosa ressalta ainda que, caso o governo não rediscuta a estrutura de carreiras, ao fim de 2018, após as eleições, o Judiciário — que tem as maiores remunerações e serve de referência para os salários das demais carreiras — tenderá a pressionar por outro forte reajuste salarial. Isso poderá criar um efeito cascata no funcionalismo, com impacto nas contas públicas.
O estudo do ex-ministro mostra que as despesas com folha de pagamento respondem por 48% do gasto primário da União (atrás apenas da Previdência). Lembra também que, segundo estimativas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 41% dos atuais servidores públicos efetivos já terão condições de se aposentar nos próximos quatro anos, com base nas atuais regras de aposentadoria (mais benéficas para os servidores). “O próximo presidente da República deverá enfrentar uma nova rodada de negociação com os servidores (e aposentados) do governo federal já no primeiro ano de seu mandato. Esse desafio será aumentado pela necessidade de contratação de novos servidores para repor a saída de grande parte dos quadros atuais até 2022, sobretudo porque a provável reforma da Previdência em 2019 deve gerar uma corrida para a aposentadoria”.
O governo Michel Temer apresentou no meio do ano passado as linhas gerais de uma reestruturação de carreiras para o funcionalismo O texto está agora na Casa Civil e passa por ajustes. Segundo integrante da área econômica, a ideia é que ele seja encaminhado ao Congresso ainda em 2018, embora as chances de aprovação sejam baixas em anos eleitorais. Uma reunião deve ser marcada com os servidores até o dia 10 de abril para discutir o assunto. O diretor da CSBP diz que a entidade não tem posição em relação ao projeto porque está às cegas em relação ao andamento da proposta.
A ideia básica é ampliar de 13 para 30 o número de degraus para que um servidor chegue ao topo da carreira, o que hoje ocorre muito rapidamente. Na carreira de gestor, por exemplo, um servidor ingressa no funcionalismo com um salário de R$ 16.934 e atinge o topo em 13 anos, passando para uma remuneração de R$ 24.143. A ideia do governo é que o ganho inicial seja em torno de R$ 5.000 (em linha com o setor privado) e que o servidor, só depois de 30 degraus, alcance o topo da carreira.
Em seu trabalho, Barbosa cita como exemplo de estrutura de carreiras e de política salarial para os servidores o modelo usado nos Estados Unidos. O sistema americano tem como base uma comparação entre os salários do setor público e do setor privado, com reajustes lineares anuais concedidos com base na situação fiscal do país. Ele é calculado por dois comitês executivos, que reúnem tanto servidores quanto especialistas em administração pública. Nos Estados Unidos, um servidor só pode chegar ao topo de sua carreira após 19 anos de trabalho.
O ex-ministro sugere que o Brasil tem condições de adotar uma sistemática nessa mesma linha: com estabelecimento de um valor máximo do Orçamento com base na situação fiscal, a criação de um comitê de remuneração com representantes dos setores público e privado para recomendar os reajustes, alinhamento entre as remunerações de servidores públicos e trabalhadores do setor privado, além da eliminação de penduricalhos (como auxílio-moradia) dos salários de algumas categorias.
Fonte: “O Globo”