Confesso que senti calafrios quando li que o governo pretendia anunciar pacote de medidas para ajudar a economia. Nós brasileiros temos trauma de pacotes — sabemos que eles são a sinalização mais clara de que a coisa está realmente feia. Os pacotes de Dilma, estilhaços mal-embrulhados em papel de péssima qualidade, alimentaram esse trauma antigo. Mais eis que o governo anunciou pacote leve, interessante, positivo para o médio prazo, e pouco eficaz no curto prazo. Pacote para aliviar as dívidas e reduzir a burocracia, como definiu o jornal “Valor econômico”.
O alívio das dívidas é fundamental. Como escrevi essa semana para o jornal “O Estado de S. Paulo”, o grande problema da economia brasileira é o excesso de endividamento generalizado. Todos os setores foram afetados pelas dívidas excessivas — o setor público, os Estados, as empresas, as famílias. A literatura sobre as chamadas “recessões de balanço”, aquelas que são provocadas e/ou acentuadas pelo sobre-endividamento, revela que a retomada depende de um complicado processo de desalavancagem penoso e lento. Quanto mais o governo puder ajudar esse processo de limpeza de balanços, melhor. Contudo, o governo brasileiro, também carregado de dívidas, pouco pode fazer. Os limites do possível foram delineados na última semana pela equipe econômica.
O primeiro pilar do pacote do governo consiste em medidas para desafogar as empresas e as pessoas que têm dívidas junto ao governo — são essas dívidas majoritariamente atrasos no pagamento de impostos. Durante a era Dilma — e antes dela também — atrasos de impostos eram resolvidos com os chamados Refis, esquemas de refinanciamento de dívidas que envolviam descontos camaradas. O resultado é que costumavam gerar incentivos perversos, o que os economistas chamam de moral hazard: se existe a expectativa de receber descontos no pagamentos de impostos sempre que houver atrasos significativos, empresas sucumbem facilmente à tentação de ficar inadimplentes com o fisco para receber a benesse dos Refis. O atual governo não quis repetir esse problema. Portanto, o Programa de Regularização Tributária (PRT) oferecido às empresas e aos indivíduos inadimplentes contempla um alívio nos fluxos de pagamentos, mas não necessariamente um desconto no estoque das dívidas com o governo. Esse novo desenho embutido no PRT é bem-vindo, embora dê alívio imediato limitado aos endividados.
O segundo grande pilar do pacote são as medidas para a desburocratização, atendendo às demandas por melhorias no ambiente de negócios do país. Como é de notório conhecimento, o Brasil é dos países com pior classificação nos rankings de Doing Business elaborados pelo Banco Mundial. As medidas para reduzir a burocracia contempladas no pacote são boas, e terão efeitos positivos — apenas, não imediatamente. Na verdade, tais medidas nada têm de relação direta com a retomada da atividade no curto ou no médio prazo. O que fazem é melhorar a produtividade das empresas brasileiras, atacando o chamado Custo Brasil ao longo do tempo.
Para além desses dois pilares, o governo também apresentou medidas ainda inacabadas para o FGTS. A redução em 10 anos da multa de 10% que pagam as empresas hoje sobre o saldo do fundo nas demissões que não envolvem justa causa remove distorções do sistema, mas não tem efeito algum nesse momento. Não mexe nos direitos do trabalhador — que fique claro — tampouco cria incentivos para que as empresas demitam mais, como disseram alguns afoitos. Há muitos afoitos no Brasil. Com o FGTS, entretanto, o governo perdeu oportunidade de fazer algo que realmente poderia ajudar no curto prazo: pôr dinheiro no bolso do trabalhador. O fundo de poupança forçada criado durante o regime militar é guariroba para lá de prejudicial às famílias. Remunera abaixo das taxas de mercado para a poupança, enquanto limita ao extremo o uso desses recursos. Nesse momento de imensa agonia para as famílias brasileiras, urge devolver ao trabalhador mais do que meramente 50% do suposto lucro do fundo.
Por fim, as medidas para empresas endividadas com o BNDES. Essa é a parte do programa que mais se assemelha aos pacotes mal concebidos de Dilma e Mantega. As empresas que receberam recursos subsidiados do BNDES para o antigo PSI (Programa de Sustentação do Investimento) estão sendo agraciadas por refinanciamentos camaradas ainda a taxas subsidiadas. Quem paga essa nova modalidade de alívio que cheira a bolsa-empresário é o contribuinte.
O pacote de Meirelles podia ter passado sem essa.
Fonte: “Zero hora”, 17 de dezembro de 2016.
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