A necessidade de reduzir o déficit em 2016 ressuscitou a proposta de arrecadar recursos com a CPMF. Do ponto de vista político, é de difícil aprovação; sob a óptica econômica, é uma perversidade.
Aparenta ser uma solução fácil, porque é simples de implantar, sem custo de arrecadação para o governo e difícil de sonegar. Entretanto, o efeito total sobre as contas públicas é ruim. Pelo impacto que tem nas taxas de juros, o governo acaba gastando mais com o carregamento da dívida pública do que recolhe com o tributo, além de encolher o produto potencial da economia brasileira.
A CPMF também é concentradora da renda (os mais pobres pagariam proporcionalmente mais), aumenta a cunha bancária (que já é a mais alta do mundo), tira competitividade das empresas nacionais e estimula a informalidade. Todavia a ideia de usar a CPMF é oportuna na medida em que abre uma janela para debater a tributação do setor financeiro como fonte de recursos, que, na última década, recolheu entre 1,9% e 2,4% do PIB por ano.
Em 2016, considerando o aumento da CSLL dos bancos e supondo que a CPMF seja aprovada, o total a ser arrecadado dificilmente superaria os 3,0% do PIB. Seria uma solução que agravaria as distorções da tributação do setor e comprometeria ainda mais o crescimento potencial da economia brasileira.
A proposta deste artigo é enterrar a ideia da CPMF e propor uma reorganização tributária que incluiria a implantação do Imposto de Valor Agregado Financeiro (Ivaf). Se adotada, haveria ganhos consistentes para o fisco, uma intermediação de recursos mais eficiente e incidência mais justa da tributação.
O setor financeiro é tributado com a CSLL, o IOF, o IRF, o PIS e a Cofins, que são federais, e o ISS, que é municipal, com regulamentos e alíquotas específicas em cada uma das 5.570 localidades do País. É um Frankenstein tributário. Sua complexidade é bizantina. Gera uma infinidade de contingências tributárias que demandam um exército de fiscais, contadores, advogados e despachantes, acrescido a suas distorções.
Uma é sua regressividade. Enquanto muitos países subsidiam o crédito, no Brasil ele é tributado. Dependendo da operação de um mesmo montante, um financiamento pode pagar mais impostos que uma aplicação. Há também casos de que quem vive de juros paga menos impostos, para o mesmo nível de renda, do que um assalariado.
São tributos míopes. Pela estrutura de alíquotas, há um incentivo a prazos mais curtos, tanto para aplicações como para financiamentos. Isso amplifica a volatilidade da oferta de crédito, onera renegociações de dívidas e induz a uma inadimplência maior.
Colocam um piso à queda dos juros. O IOF incide sobre o montante de cada operação de crédito, mesmo que a taxa cobrada seja zero. Considerando que a instituição exija apenas esse imposto do devedor, deve ainda recolher PIS, Cofins e Imposto de Renda sobre esse tributo – imposto sobre imposto.
Um despautério. Por sua estrutura, eles encarecem o crédito, emperram os mecanismos de transmissão da política monetária, aumentam a prociclicidade da oferta de crédito, pioram a concentração de renda e induzem a um encolhimento de prazos.
As causas desses problemas são sua origem. Os tributos existentes são resultados de medidas emergenciais ao longo do último meio século, e não fruto de um planejamento criterioso. Os tempos e os papéis da intermediação no Brasil são outros. O momento é oportuno para uma correção de rumos.
A proposta de aprimoramento é a substituição de IOF e IRF em aplicações financeiras e PIS, IOF, Cofins e ISS em operações ativas e serviços por um imposto de valor agregado financeiro. O nível de arrecadação seria mantido, poderia até ser aumentado e haveria melhorias consideráveis.
Um imposto de valor agregado, também chamado de valor adicionado e de IVA, incide sobre a diferença entre o preço de venda e o preço de compra de um ativo com uma compensação de créditos e débitos de tributos. O ICMS e o IPI são exemplos desse imposto.
Numa visão simplista, supondo que a alíquota fosse de 15% e o preço de venda de uma camisa, R$ 200, o imposto devido seria de R$ 30 (15% de R$ 200); supondo que o camiseiro tivesse comprado tecido, linha e botões no montante de R$ 80, teria um crédito tributário de R$ 12 (15% de R$ 80) já recolhido desses produtos, portanto, só pagaria R$ 18 ao Fisco (R$ 30 – R$ 12).
Um esquema parecido poderia ser implantado para as operações financeiras, em que apenas o resultado líquido seria efetivamente tributado e haveria uma compensação entre ganhos e prejuízos e os tributos pagos e devidos nos diversos mercados da intermediação financeira.
O imposto poderia ser compensado com o Imposto de Renda e o IPI ao longo de toda a cadeia produtiva. Dessa forma, parte do custo do capital seria repassada ao consumo, baixando o custo do crédito à indústria.
Haveria outros benefícios, como uma transparência maior do custo efetivo da tributação na produção, um tratamento simétrico com relação ao risco e à intertemporalidade, um deslocamento da tributação para os aplicadores no sistema, que são os que têm maior capacidade de pagamento, o sistema financeiro cumpriria sua missão basal de forma mais adequada e o governo poderia aumentar sua arrecadação.
Existem questões importantes a ser abordadas para a implantação de um novo imposto, como a fixação de alíquotas, o regime de compensação de créditos e débitos, a definição das bases de incidência, a alocação de receitas tributárias para os municípios e a transição. São complexas, mas podem ser superadas num curto
espaço de tempo.
A adoção do tributo proposto é uma opção viável que não resolve todos os problemas, mas teria uma contribuição expressiva neste momento difícil da economia brasileira.
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