O Jardim Paulista, em qualidade de vida, é comparável aos bairros nobres de cidades como Buenos Aires e Madri. É arborizado, fica ao lado do Parque do Ibirapuera, tem água, luz, asfalto, metrô, o colégio Dante Alighieri, um dos melhores do Brasil, e, a poucos metros, o hospital Sírio-Libanês, com padrão de atendimento internacional.
O Jardim Ângela, que nasceu de um loteamento clandestino, continua a crescer com a construção de barracos de migrantes e desempregados que escapam de aluguéis caros em outras regiões da cidade. O saneamento é deficiente, a segurança é fraca, a educação é capenga, os serviços de saúde são anêmicos e não tem áreas de lazer nem metrô.
Em números redondos, o Jardim Paulista comparado com o Jardim Ângela tem um vigésimo da taxa de homicídios, um terço da população, metade da taxa de mortalidade geral, 10 vezes o número de estabelecimentos comerciais e 18 vezes mais formados no terceiro grau. Os dois bairros, da mesma cidade, refletem de maneira emblemática as heterogeneidades existentes no País. É um problema crônico. O relatório World Inequality Report 2018 aponta a concentração de renda no Brasil como uma das maiores do planeta e que as melhorias com as políticas distributivas foram limitadas.
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As desigualdades, que com a crise se agravaram, tendem a se perpetuar por três conjuntos de fatores: a política de inclusão, o quadro institucional brasileiro e a estratégia de crescimento. As experiências das economias mais avançadas mostram que todas cresceram aumentando a produtividade dos segmentos mais pobres desses países; o que não é feito com a intensidade necessária aqui.
O marco legal brasileiro também é um elemento que atrasa o País. A tributação ilustra o fato. Está desenhada para piorar a distribuição de renda e coibir o investimento. Enquanto as alíquotas efetivas dos que recebem juros variam de zero a 22,5%, as rendas do trabalho alcançam 27,5% e as dos que pagam juros são maiores ainda (IR, PIS, Cofins, CSLL e IOF). A estrutura existente subsidia quem vive de renda e prejudica os que trabalham e os que tomam financiamentos para investir e consumir.
No lado dos gastos públicos, um exemplo emblemático é a educação. O ensino superior público, o melhor do País, é gratuito e financiado pelo ICMS, que incide mais sobre as classes mais baixas – a quase totalidade dos moradores do Jardim Ângela, que tem menos preparação para entrar numa universidade estatal do que os jovens do Jardim Paulista.
Há mais indutores que inibem o crescimento e perpetuam a concentração de renda e o baixo crescimento da economia. A guerra fiscal entre Estados mostra como o Brasil é bom em ver palha no olho alheio e não a trave no próprio. Muita tinta está sendo gasta em analisar a guerra comercial que os EUA estão iniciando com as barreiras tarifárias sobre o aço exportado para lá, mas, aqui, todos os Estados se sentem no direito de manipular suas alíquotas do ICMS, com prejuízo para o emprego e a produção do País.
É um quadro que pode ser mudado. As eleições em outubro são a oportunidade para isso. É o momento de propor políticas mais realistas e transformadoras, que gerem resultados melhores. Os diagnósticos sobre o que fazer, até agora, são parciais e superficiais. Aos moradores mais próximos ao centro se anuncia um Estado mais enxuto e mais eficiente e para os mais distantes, mais saúde, segurança e educação.
Para oferecer mais serviços públicos o País tem de crescer mais e para isso necessita de mais mercado. Mas é pouco. Mercados podem melhorar a eficiência e aumentar o emprego, assim como agravar a concentração de renda. Além de bem regulados e supervisionados, devem ser complementados com uma política de desenvolvimento com três prioridades.
A primeira e mais importante é emprego. É inaceitável que o país tenha 12 milhões de desempregados. Uma das causas da desocupação é conjuntural, que com o crescimento da economia será encaminhada. A outra é a estrutural, mais preocupante e permanente. A organização produtiva brasileira está mudando, destruindo postos de trabalho numa velocidade maior do que a criação de novos.
Uma política de emprego tem de atuar em duas frentes. Uma é a de induzir a atividade de setores intensivos em mão de obra. Um exemplo é o turismo: o Brasil, rico em belezas naturais e em simpatia, tem 6% do território mundial e apenas 1% do fluxo mundial de turistas. Há espaço para ações que aumentem o número de visitantes.
Urge também um sistema de inteligência de capacidades e oportunidades de trabalho que mapeie as aptidões dos desempregados, os postos de trabalho existentes e os potenciais, os treinamentos de capacitação existentes e os necessários e faça as conexões para acelerar a interação de oferta e demanda de mão de obra.
A segunda prioridade é a estrutura fiscal/tributária para o País. A atual foi desenhada na Constituição de 1988 e remendada ao longo de três décadas. É injusta, ineficiente e um importante fator a explicar a concentração de renda e o baixo crescimento. Mais do que uma reforma é necessária uma nova arquitetura que atenda aos princípios de equidade, eficiência e sustentabilidade.
A outra primazia, que em grande parte é resultado dessas duas, é crescer. A combinação das políticas fiscal, cambial e monetária é condição necessária, mas não suficiente. É mandatória uma política de desenvolvimento transformadora. A premência é em razão da abertura econômica, a demora em se adaptar implica a perda de mercado interno para produtores em outros países.
Há um acrônimo, Vuca, das iniciais em inglês de volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade, que é usado para descrever como a realidade se está transformando. O termo tem de ser incorporado à política econômica. Pode melhorar muito a vida nos dois jardins.
Fonte: “Estadão”, 23/04/2018