A partir do ano que vem, estará em suas mãos o destino de nosso país. A senhora já parou para refletir sobre o que isso significa? Quase 200 milhões de pessoas clamando o seu nome – e depositando nele o seu destino e suas esperanças – e a senhora sozinha, lá no topo do morro, com os ventos da História açoitando o seu rosto… Sem dúvida, é uma responsabilidade descomunal. Perguntas incômodas hão de lhe assaltar a mente: por que eu e não outro? Será que tenho condições para me desincumbir bem do papel que me foi atribuído? Eu tenho realmente todas as qualidades necessárias para essa tarefa? Deus estará sempre me guiando, protegendo e abençoando?
Esses questionamentos são naturais. Ocorrem sempre a quem assume o poder. E não raramente, a partir deles, os governantes desenvolvem um recorrente senso místico.
Não foram poucos os presidentes dos Estados Unidos da América que relataram ter conversado com Deus. No sentido figurado ou não. Outros disseram que de madrugada, na vastidão dos corredores da Casa Branca, teriam consultado seus antecessores – cujos retratos se encontram todos nas paredes.
Aqui, na nossa mágica América Latina – onde o misticismo faz parte da cultura do cotidiano -, tais epifanias ocorrem com frequência ainda maior. É de praxe os dignitários, por aqui, afirmarem que chegaram ao poder para cumprir uma missão divina. E acreditam sinceramente nisso. O problema é que, no nosso subcontinente, as instituições são ainda muito frágeis. A gente acostumou-se a atribuir à pessoa do presidente tudo de bom e de ruim que acontece no país. É muita responsabilidade. A quem ou a que recorrer – ou evocar – na hora de tomar decisões difíceis?
Não dá, na verdade, para confiar cegamente em ninguém. Todos os áulicos que infestam a sua corte não passam, realmente, disso. São meros bajuladores. Os conselhos que eles venham a dar-lhe não são sábios nem desinteressados. Geralmente, segui-los é caminho certo para o abismo.
O jeito, mesmo, é se abrir com Deus. Somente a Ele a senhora pode expor suas dúvidas, fraquezas e inseguranças. Se, no passado, a fé ideológica lhe bastava e a munia de grandes certezas (lembra-se de sua opção juvenil pela luta política clandestina?), agora as coisas são diferentes. Se, por acaso, até aqui a senhora, intimamente, não acreditava em Deus, é melhor começar a acreditar. Ele, e só Ele, pode dar-lhe, com total isenção, as respostas de que a senhora precisa.
Não se deixe levar pelas bravatas do seu antecessor. A partir de janeiro, quem terá o poder e a responsabilidade por tudo o que vier a acontecer é a senhora. Os conselhos de Lula pouco lhe hão de ser úteis. A experiência de vida dele é única e intransferível. Não caia na tentação de imitá-lo. Lembre-se de que essa autoconfiança que hoje ele exibe foi esculpida a partir de um primeiro mandato presidencial – no qual ele só levou bordoada – e de três candidaturas fracassadas. A pele dele já está curtida. Não é o seu caso.
Por falar em Lula, por acaso a senhora já pensou no que vai fazer com ele depois de sua posse? O homem está em êxtase. Quem haverá de desligá-lo da tomada?
Não há, em nossa História republicana e democrática, um único caso em que a criatura não se tenha voltado contra o criador. E é natural que assim seja. Chorar um morto não significa querer ressuscitá-lo…
Por mais grata a ele que a senhora seja, depois que se sentar naquela cadeira as coisas mudam de figura. A caneta que nomeia e demite estará exclusivamente em suas mãos. E todo e qualquer palpite que ele vier a dar, depois disso, será recebido como extremamente importuno. Se não pela senhora, com certeza pelos seus auxiliares. Uma nova corte se formará no seu entorno, dona Dilma. E seus membros se sentirão ameaçados por qualquer intervenção que o seu ex venha a fazer.
Pois já não é voz corrente, nos meios políticos, que Lula pretende voltar em 2014? Se isso for verdade, é melhor a senhora se precaver. A candidatura natural é a sua, para postular a reeleição. A senhora comprometeu-se com ele a não se recandidatar? Isso a senhora diz agora. Com exceção de Pôncio Pilatos, ninguém jamais entrou na História por acaso.
Lula só sairá vitorioso – se for esse o seu intento – se o governo da senhora for um fracasso. Já pensou nisso?
Outro aspecto para o qual a senhora deveria atentar é com relação àqueles que estarão ao seu redor: no dia 1.º de janeiro, a senhora vai dormir no Palácio do Alvorada, em companhia da senhora sua mãe. Antes de se deitar, preste atenção aos ruídos. No palácio vizinho, o do Jaburu, estará instalado o seu vice. E, pelo que se conhece dele e de seu partido, todas as noites, por ali, haverá festa.
Ao apagar as luzes de sua residência, a senhora perceberá que logo ali ao lado as luzes nunca se apagam. Todas as noites haverá um entra e sai permanente de políticos. Enquanto eles estiverem apenas festejando, tudo bem. O problema surgirá quando eles começarem a urdir intrigas e conspirações. E isso está inscrito no DNA da categoria.
Ciente de tal circunstância, a senhora conseguirá repousar tranquila? Durma-se com um barulho desses…
Uma coisa que eu gostei na senhora foi o pensamento que atribuiu ao seu pai: “Não se deve nunca confiar nas virtudes dos homens, deve-se apostar é nas instituições.”
Interessante. Quem sempre pregou isso somos nós, os liberais. Essa é a pedra fundamental de nossa doutrina. É muito auspicioso saber que a senhora também pensa assim.
No mais, além de desejar boa sorte, arrisco dar-lhe um conselho. Já vivi em Brasília muitos anos e pude acompanhar muitos presidentes. Nunca pule de alegria. Alguém tratará de lhe puxar o tapete.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 03/12/2010
Êta artigo simpático e doloroso. Não roga pragas, mas avisa sobre elas… Não puxa tapetes, mas demonstra que eles sequer existem.