Semana passada, encontrava-se em São Paulo Jorge Castañeda, intelectual e homem público mexicano, participando de encontros acerca da democracia na América Latina; em entrevista a um dos grandes matutinos da terra, enunciou uma observação que merece ser examinada: o Brasil perdera a oportunidade de atingir posição de alto relevo internacional, segundo ele, por haver se abstido de exercer influência benfazeja em relação a questões de países vizinhos para pretender influir em conflitos distantes, em outros continentes, e sem qualquer êxito, como seria fácil prever; em outras palavras, escolheu questões impróprias ou erradas sem bom sucesso em nenhuma delas. O observador é pessoa qualificada e suas apreciações devem ser objeto de meditação, aliás, elas se assemelham a outras feitas por diplomatas brasileiros.
Essas análises, de dois observadores qualificados, um brasileiro, outro mexicano, a meu juízo, descobrem origens de um dos dramáticos problemas do nosso cotidiano, que, dia a dia, espantam e amarguram nossa sociedade, por sua feição cruel, envolvendo precipuamente a juventude. Com efeito, o crack é devastador. Segundo os entendidos, seus efeitos são imediatos e irrecuperáveis. Seria um subproduto da cocaína, de consequências mais deletérias; mais barato, torna-se de uso mais largo; segundo informações que suponho corretas, o Brasil não produz cocaína, de modo que a droga que dela deriva também vem do exterior e dada a extensão das nossas fronteiras não é fácil nem eficiente sua fiscalização; como se fosse dotado de uma espécie de lei da gravidade, o crack se expande impetuosamente, com malefícios marcantes; as notícias que chegam à publicidade são alarmantes.
Não é segredo para ninguém que há vizinhos nossos que cultivam matéria-prima para a fabricação da droga e ninguém ignora que as bandas ditas bolivarianas respondem por parte maior ou menor da sinistra especialidade; algumas nações produzem trigo, arroz, soja, carne, lã, algodão, suco de laranja, outras colhem coca, que plantam. E aqui chegamos ao ponto mais delicado do problema: é sabida e notória a amabilidade do governo brasileiro no tocante a países e governos bolivarianos; a simpatia ou semelhança de ideias e aspirações entre eles são expressas e não obstante sem dificuldade desmaiam suscetibilidades entre soberanias, basta dizer que não se pejam em permitir nem de aceitar votos a descoberto em matéria ultranacional, como são as eleições dos supremos governantes deles. Essa madraçaria tem se verificado sem reserva e em público. A intimidade de afetos entre esses Estados, até onde se pode pressentir, responde em porções imprecisas, mas reais, por seu ingresso no país. O certo, até onde se sabe, é que o Brasil não adotou providência junto a governos desse mundo no sentido de coarctar o comércio que produtores da droga evidentemente passam a fazer do produto industrializado… Embora não se conheçam ou eu ignoro estatísticas a respeito, é obvio que o cultivo é público, como pública é a mercancia que dele se faz, até porque ela é feita para ser mercadejada e não para ser guardada a sete chaves. A invasão do crack em nosso país, fato inegável, seja a maneira que for, atinge as raias da evidência. Qualquer pessoa pode errar quanto à quantidade, mas ninguém pode negar a existência do fenômeno. A camaradagem gera a intimidade e esta a conivência entre vizinhos de bom convívio. E isso a custo da brutal mutilação e da destruição do que foi a juventude da nação.
Fonte: Jornal “Zero Hora” – 2/08/10
No Comment! Be the first one.