Improbidade administrativa é a principal acusação. Treze administradores já foram cassados, mas estão recorrendo
Na última terça-feira, a 21ª Câmara Cível proibiu o prefeito de Búzios, André Granado, de fazer qualquer nova contratação de servidor. A medida, pedida pelo Ministério Público, é uma tentativa de frear a série de desmandos que levou o chefe do Executivo a responder a dez ações por improbidade administrativa e a duas penais, que já resultaram em uma condenação. Para o MP, trata-se de mais um caso de uma prática antiga: mau uso de verba pública. O problema se repete no caso de outros 64 prefeitos eleitos em 2012 (ou seja, 70% dos 92 existentes no estado), que também são investigados.
Um levantamento feito nos tribunais Superior Eleitoral e de Justiça do Rio, nos ministérios públicos Federal e do estado e na Polícia Federal revela ainda que 50 desses prefeitos alternam a cadeira no gabinete com o banco dos réus, sendo que em 13 casos já houve condenações. Juntos, 65 chefes do Executivo respondem a pelo menos 118 ações por improbidade administrativa, dez penais e 86 inquéritos. Treze já foram cassados, mas estão recorrendo.
Durante três meses, repórteres d e “O Globo” analisaram cerca de três mil páginas de documentos sobre contratações irregulares em serviços e obras, superfaturamentos e denúncias de desvios. Nesse período, dois prefeitos foram cassados (Helil Cardozo, de Itaboraí; e Marcos Antônio da Silva Toledo, o Taninho, de Natividade) e dois foram acusados de enriquecimento ilícito (Luciano Mota, de Itaguaí, e Arlei Rosa, de Teresópolis).
Na quarta-feira, o prefeito de São Sebastião do Alto, Mauro Henrique Silva Queiroz Chagas, foi preso em flagrante quando recebia R$ 100 mil de um empresário, que teria sido obrigado a pagar propina por causa de um contrato com o município. A prisão de Mauro, que estava há 11 meses no cargo, foi o desfecho extremo de uma rotina de irregularidades vivida hoje na maior parte das cidades do estado. Ele era o vice na chapa de Carmod Barbosa, que ganhou as últimas eleições, mas foi cassado em abril do ano passado — responde a três processos por improbidade, devido a contratos considerados ilegais.
Em Búzios, Granado, antes de assumir a cadeira do chefe do Executivo, foi secretário de Saúde na gestão de Toninho Branco. Foi nesse cargo que ele e o então prefeito contrataram, sem licitação, os serviços da Barnato Comércio de Peças Ltda ME (que recebeu R$ 557.885,04), da Lagos Tecno Car Som e Acessórios Ltda e da DJ Felipe Mecânica ME, para manutenção dos veículos da Secretaria de Saúde. De acordo com as notas fiscais, os automóveis chegavam a ser lavados duas vezes por dia na Barnato, sediada em Rio Bonito, a mais de 90 quilômetros de Búzios.
R$ 250 por um único parafuso
Além disso, a prefeitura pagava R$ 250 pela reposição de um único parafuso. O absurdo levou a Câmara a instaurar a CPI do Parafuso, que concluiu pela responsabilidade de Branco e Granado, enviando o caso ao MP. A Justiça concluiu que as notas eram frias e que os serviços, além de contratados ilegalmente, não foram de fato realizados. Em dezembro passado, Branco e Granado foram condenados a devolver R$ 808.864,23 aos cofres públicos. Em sua sentença, o juiz Marcelo Chaves Villas, da 2ª Vara da Comarca de Búzios, lamentou a situação do município, lembrando que, além do então chefe do Executivo, já havia também condenado os dois prefeitos anteriores, também por improbidade administrativa.
Para não ser cassado, o atual prefeito recorreu da sentença para aguardar o julgamento do recurso ainda no cargo. Ele também está sendo investigado pela contratação de uma empresa para administrar o serviço de vagas rotativas da cidade.
— A empresa não tem lastro para um contrato de valor tão alto, com concessão de dez anos. Por isso, abrimos um inquérito civil para investigar o caso — explicou a promotora Marcela do Amaral Barreto, da 2ª Promotoria de Tutela Coletiva de Cabo Frio.
Ela também atua em três outras ações por improbidade em que Granado e o ex-prefeito são acusados de fechar contratos, sem licitação, para a contratação de ONGs que teriam recebido R$ 13 milhões para administrar o único posto de saúde da região.
Além de prefeito, Granado é dono da Búzios Diagnósticos, de serviços de saúde, inaugurada em 2002. A empresa prestava serviços à prefeitura. Ele é ainda proprietário de um casarão no Condomínio Atlântico, na Praia da Ferradura, onde o município faz obras de pavimentação. A rua onde ele mora só está pavimentada até o trecho justamente em frente à sua residência.
Em nota, a assessoria de Granado afirmou que a pavimentação na rua onde vive o chefe do Executivo foi feita “há uma década”, muito antes de ele assumir qualquer cargo público. Também nega que ele tenha sido alvo da CPI e afirma que a condenação foi equivocada, baseada num parecer do TCE que acabou reformado. “A dinâmica e a grande gama de legislações que incidem sobre a administração pública hoje em dia sujeitam o administrador público a responder a processos judiciais”, diz a nota, acrescentando que a empresa de Granado deixou de prestar serviços à prefeitura há muitos anos.
O prefeito de Cabo Frio, Alair Corrêa, encabeça o número de ações por improbidade — responde a 11 processos — e também já foi condenado. Teve a candidatura impugnada nas eleições de 2012, mas reverteu a decisão no TSE. Ao reassumir seu terceiro mandato, deu início ao processo de licenciamento do parque Riala (Alair ao contrário), de sua propriedade, que teve autorização negada pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), por não atender às exigências legais. A assessoria do prefeito não respondeu às perguntas enviadas pelo GLOBO.
Em Cachoeiras de Macacu, o prefeito Waldecy Fraga Machado, o Cica, em seu terceiro mandato, coleciona nada menos que dez ações por improbidade movidas pelo MP estadual. Entre as acusações, está a de prestação irregular de contas e de contratação sem licitação do Instituto Niteroiense de Administração Pública (Inap), para serviços de consultoria e treinamento de funcionários.
Numa das ações, ele chegou a ser condenado em segunda instância por propaganda pessoal nas dependências e no entorno do Centro Intereducacional de Cultura e Arte (Cica). O prefeito foi proibido de usar a sigla “Cica” em placas, avisos e qualquer outro documento, sob pena de multa de R$ 10 mil a cada ato. Waldecy conseguiu manter seus direitos políticos, e a instituição teve o nome trocado: virou Centro Intereducacional de Artes e Cultura (Ciac).
— Foi o secretario de Educação (Osório Luis Figueiredo), do meu mandato anterior, que colocou a placa na época. O Ministério Público entendeu que a placa tinha ligação com o meu apelido. A decisão com a condenação saiu neste mandato, e ainda devo receber uma multa. Quanto às demais ações, estamos recorrendo — diz Cica, um produtor rural que gosta de cavalgadas e não abre mão de visitas à engarrafadora de água mineral Maratuã, da sua família.
Esgoto despejado diretamente nos rios
No município, que já foi conhecido como “o paraíso das águas cristalinas” e tem mais de 200 cachoeiras, é o despejo de esgoto nos rios Macacu e Ganguri que mais chama a atenção. Casas e prédios lançam os dejetos in natura diretamente nos cursos d’água.
— Quase todo o esgoto daqui vai para os rios — lamenta José Fabrício Gonçalo, de 87 anos, 60 vividos em Cachoeiras.
Cica promete licitar ainda este ano um programa de implantação de rede de esgoto e estações de tratamento nos três distritos do município. Os recursos — R$ 55 milhões — serão dos governos federal e estadual. Na administração de uma cidade extremamente dependente de repasses de royalties de petróleo e outras transferências — em 2013, pouco mais de 7% da receita veio de tributos municipais —, Cica fez um corte de 20% no valor dos contratos, atingindo especialmente a limpeza urbana.
— A ação para redução de despesas não tem sido correta. Ele está acumulando dívidas. Deve R$ 4 milhões a fornecedores de remédios, que já estão faltando no hospital municipal — diz o vereador Carlos Melo da Silva (PV), presidente da Câmara.
Fonte: O Globo
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