*Por Adelson Vidal Alves
Na manhã de 11 de setembro de 2001 um grupo de terroristas islâmicos sequestrou quatro aviões comerciais e se lançou de forma suicida contra o World Trade Center, deixando o mundo em choque com imagens hollyoodianas ocupando os telejornais durante todo o dia. Além dos prédios, os ataques visavam o Pentágono e a Casa Branca, com a intenção de ferir os símbolos econômico, político e militar dos EUA. Décadas antes, durante a segunda guerra mundial, japoneses também usavam aviões como arma. Os conhecidos Kamikazes eram suicidas que se atiravam com explosivos contra os navios dos aliados no período da chamada Guerra Pacífico-Asiática.
Para nós, a ideia de se entregar a própria vida por um ideal soa um tanto estranha, a vida é algo que culturalmente aprendemos a valorizar. No entanto, essa característica típica do Ocidente é vista pelo Oriente como ponto das suas fraquezas. Demonstra que o mundo ocidental não cultivou o heroísmo, o apego pela pátria e a coragem do desapego pela existência. Quando os EUA ocuparam o Afeganistão, um dos jihadistas que iria combater as tropas americanas disse que eles venceriam a guerra, pois “Eles adoram Pepsi-cola, nós adoramos a morte”.
Mesmo intelectuais do Ocidente se encantaram pela performance política do martírio. Michel Foucault, quando cobriu a revolução de 1979 no Irã, ficou deslumbrado pelo ritual de autossacrifício que presenciou. A morte exercia grande fascínio no grande filósofo francês, que apoiou com entusiasmo o processo revolucionário que viria desembocar em uma ditadura sanguinária. Foucault abraçou a mística e a espiritualidade da aventura oriental pré-moderna contra a modernidade ocidental.
Na própria Europa houve quem, a exemplo de Foucault, mantivesse profunda hostilidade à cultura ocidental. O escritor alemão Werner Sombart, autor de “Comerciantes e heróis” certa vez escreveu: “O pensamento alemão e o sentimento alemão se expressam em primeiro lugar por uma total rejeição de tudo que se aproxime do pensamento ou do sentimento da Inglaterra ou, na realidade, da Europa Ocidental”. O nazismo que nasceria na Alemanha com seu ódio ao judaísmo comercial, teve na cabana da Floresta Negra de Heidegger, seu mais sofisticado filósofo, um símbolo do ódio da inteligência nacionalista alemã a tudo que significasse sociedade industrial e comércio.
O comércio é marca da vida ocidental, e arranca calafrios de todas as ideologias que combatem a modernidade. E não falo só de ideias nascidas no Oriente, mesmo o marxismo, um pensamento carimbado pelo iluminismo, filho da cultura ocidental, costuma produzir críticos à “decadente vida burguesa”, com seu individualismo, seu egoísmo e apreço excessivo ao lucro. Basta lembrar das palavras de Friedrich Engels, que via um Ocidente “repulsivo”, “algo no qual a natureza humana se rebela”.
Em 1726, chegando na Inglaterra, Voltaire, o grande filósofo das luzes, se deslumbrou com a Bolsa de valores, tratada por ele como “um local mais venerável que muitas cortes de justiça, onde os representantes de todas as nações se reúnem para o benefício de toda a humanidade”. O pensador francês viu nas negociações comerciais um lugar de grande diálogo planetário, onde as diferenças se dissolviam em meio a conversas e acordos. Da mesma forma, a Londres do século XVIII empolgou Voltaire com seu alto grau de produção científica.
O ódio ao comércio, à busca pelo lucro e as liberdades econômicas estão presentes em vários críticos da vida liberal do Ocidente, feito caricatura pelo seu suposto hedonismo, desenraizamento, cosmopolitismo e egoísmo. O intelectual iraniano Al-e Ahmed usou o termo “ocidentoxicação” para se referir à influencia ocidental em várias partes do planeta. Como se a exportação da vida ocidental só poderia produzir decadência e fracasso.
Mas foi exatamente o contrário. Os países que acolheram de bom grado a ocidentalização colheram frutos positivos. O Japão dos samurais, imperadores divinizados e kamikazes foi o país do Oriente que mais abraçou a cultura ocidental, do vestuário às instituições. Resultado: escapou de ser colônia e se tornou a segunda maior potência mundial.
Hoje, na Ucrânia, Putin se embebeda de eurasianismo para tentar demonstrar a decadência ocidental. Sua guerra mostra ao mundo a barbárie e a falta de respeito por ideais de direitos humanos e acordos internacionais. Ele acreditava poder colocar o Ocidente de joelhos, e foi acompanhado por gente de todo lado, da direita à esquerda. Mas quebrou a cara. O Ocidente unido reage com sanções, ganha a opinião pública internacional, recebe legitimidade em sua aliança militar. A Ucrânia vista como povo eslavo irmão dos russos não recebeu os invasores de braços abertos como seus libertadores. Ao contrário, resiste bravamente, impondo derrotas vergonhosas às tropas russas. Os ucranianos, mais do que nunca, querem se afastar da pátria de Putin. A Rússia jamais poderá controlar a Ucrânia como parte da vida russa. O autocrata já perdeu a guerra.