Não existe almoço de graça. Se o DPVAT, o seguro obrigatório de veículos automotores terrestres teve uma redução no preço da ordem de 39%, quer dizer que alguém vai pagar a conta. E, dependendo da análise, a redução no preço, de verdade, vai custar mais caro. Afinal, o SUS perde R$ 1,5 bilhão.
Se havia margem de lucro acima do razoável, será que não seria mais interessante aumentar os valores das indenizações em vez de reduzir o preço do seguro? A grande queixa sobre o DPVAT não é sobre seu funcionamento, é sobre os valores pagos a título de indenização, atualmente na casa dos R$ 13,5 mil para morte e invalidez total permanente e R$ 2,7 mil para despesas médico-hospitalares.
Estes valores estão defasados porque não sofrem reajuste faz alguns anos. Eles poderiam ser corrigidos pela variação da inflação. Mas o governo, em vez de corrigir os valores das indenizações, optou pela redução do preço do seguro. A decisão é no mínimo sem sentido.
Com ela perdem todos: o SUS, porque perde receita; as vítimas dos acidentes, que continuam recebendo pouco; a Seguradora Líder, que corre o risco de ficar sem reservas técnicas para pagar sinistros; e a sociedade, pela redução dos programas de treinamento de mão de obra. De outro lado, a redução é insignificante para o bolso dos proprietários de veículos que já tinham assimilado a despesa.
Por conta da redução perde, em primeiro lugar, o sistema de saúde público, que recebe 45% do faturamento do DPVAT e que, com a redução no preço do seguro, receberá algo próximo de um R$ 1,5 bilhão a menos. Será que o SUS está em condições de abrir mão desse montante? Pelo estado lamentável da saúde pública a resposta é não.
De acordo com informações oficiais, essa perda será compensada pelo repasse desse valor pelo governo federal. Mesmo que o governo faça isto, a redução beira a irresponsabilidade. O País tem um rombo de mais de R$ 150 bilhões nas contas públicas. Por que aumentá-lo em mais um R$ 1,5 bilhão, num momento em que perto de 20 milhões de brasileiros estão desempregados?
A equipe econômica é tida como altamente competente, o que torna a decisão ainda mais estranha, a não ser que haja um motivo secreto que ninguém consegue atinar qual seja. A medida não era esperada, não havia pressão para a redução do preço. Todos os movimentos eram no sentido do aumento dos valores das indenizações. Então, o que aconteceu? O governo deve essa resposta.
Mas a redução do preço do seguro tem outros impactos importantes, inclusive sobre as campanhas de prevenção de acidentes e educação no trânsito, para as quais são destinados 5% do seu faturamento. É estranho o País que, anualmente, mata 50 mil pessoas e deixa permanentemente inválidas outras 600 mil, em função de acidentes de trânsito, cortar 39% da verba destinada às campanhas para a redução destes números.
Será que pouco mais de R$ 30 por ano fará diferença no bolso do proprietário de um carro? De outro lado, será que tem base atuarial para a redução no preço do seguro para motocicletas, ou aí é só demagogia? Os acidentes com motos continuam crescendo, principalmente no Nordeste, e já são os responsáveis pela maioria das indenizações.
O seguro é a mais eficiente forma de proteção social. Ao longo da história, ele tem prestado serviços inestimáveis para o equilíbrio das sociedades. Mas seguro não é instituição de caridade nem tem o preço baseado em achismos, politicagem ou demagogia.
O que dá sustentação a ele é a feliz soma de um contrato com cláusulas impositivas e tábuas atuariais que definem com precisão o preço da apólice. Quando essas premissas são deixadas de lado, em pouco tempo o seguro começa a fazer água.
As despesas passam a ser maiores do que o faturamento e o produto simplesmente não se sustenta. Basta ver o que aconteceu com os planos de saúde privados individuais para se ter certeza que não dá certo. A pergunta que fica é aonde o governo pretende chegar.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 23/01/2017.
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