Tenho insistido neste espaço que duas agendas distintas têm pautado a formulação da política econômica desde a redemocratização.
A primeira agenda eu chamei de contrato social da redemocratização. Trata-se da decisão que a sociedade brasileira tomou em 1988, e que foi materializada no texto constitucional, de construir um Estado de Bem-Estar Social padrão europeu continental.
A implantação desse Estado explica praticamente a totalidade do crescimento da carga tributária que houve desde o início dos anos 90 até hoje.
Em todos os pleitos eleitorais desde então, a sociedade tem renovado seu apoio ao projeto de construção de um amplo Estado de Bem-Estar Social padrão europeu continental. E é por este motivo que todas as forças políticas relevantes apoiam esse projeto, e há enorme continuidade no avanço dos programas sociais do governo.
Como argumentei na coluna do dia 17 do mês passado, é impossível encontrar qualquer descontinuidade entre governos na evolução do gasto público na área social. Além das informações reportadas naquela coluna, tanto em junho de 2013 quanto em fevereiro 2014 apresentei neste espaço vários dados que documentam a continuidade do gasto social.
Ao longo dos diversos governos ocorreu alteração das prioridades no interior da área social.
Como escrevi, “na década de 90, a prioridade foi o ataque à pobreza entre os idosos e a construção das redes públicas e universais de saúde, com o SUS, e de educação, com o Fundef. A partir dos anos 2000, a prioridade passou a ser a infância, materializada, entre outros, no exitoso programa Bolsa Família. Mais recentemente, passou-se a atacar a educação superior, com Prouni e Fies, e o problema de moradia, com o Minha Casa, Minha Vida. Aparentemente, a educação pré-escolar será uma das prioridades do próximo governo, independentemente de quem ganhe a eleição.”
A segunda agenda na formulação da política econômica chamei de ensaio nacional-desenvolvimentista. Trata-se de recolocar no centro da política econômica um modelo de desenvolvimento adotado no Brasil, de forma mais ou menos consciente, nas cinco décadas de 1930 até 1980.
Consiste em fazer com que o Estado determine a natureza do processo de desenvolvimento econômico. O nacional-desenvolvimentismo não conversa com o Estado de Bem-Estar Social. O nacional-desenvolvimentismo não implica, necessariamente, carga tributária elevada, ao contrário da construção de um Estado de Bem-Estar.
O recente ensaio nacional desenvolvimentista incluiu muitas medidas, como as que listo em seguida:
1. Alteração no regime de câmbio flutuante para fortemente administrado;
2. Maior tolerância com a inflação;
3. Adoção de artifícios para atingir a meta de superavit primário, reduzindo a transparência da política fiscal, além de fortíssima redução do superavit primário;
4. Controle de preços para tentar conter a inflação;
5. Expansão do papel do BNDES na intermediação do investimento, com forte discricionariedade em relação aos favorecidos;
6. Tendência a fechar a economia ao comércio internacional;
7. Direcionamento da política de desoneração tributária a alguns setores ou bens, em vez de estendê-la de forma equitativa a todos os setores produtivos;
8. Aumento do papel do Estado no setor de petróleo e intervenção desastrada no setor elétrico;
9. Dificuldade ideológica em relação ao emprego do setor privado na oferta de serviços de utilidade pública e infraestrutura em geral;
10. Adoção indiscriminada da política de conteúdo nacional e de estímulo à produção local sem a preocupação com o custo de oportunidade dos recursos.
Não há nada de social nos 11 itens acima. O contrato social da redemocratização produz constrangimentos ao nosso crescimento, pois resulta em baixa taxa de poupança e investimento. Mas foi o ensaio nacional-desenvolvimentista, que está conosco desde 2009, o responsável por ter feito o crescimento despencar dos 4% dos anos Lula até o 1,6% na média de Dilma. Desfazendo esta lista, podemos voltar a crescer 3%, sem alterar o contrato social da redemocratização.
Fonte: Folha de S.Paulo, 21/09/2014.
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