Sinto, editores e leitores “modernos”, mas não as elogiarei por serem mulheres. Nesse tempo e país, símbolos valem mais que substância – mas, anacrônico, prefiro a segunda. Maria Helena de Castro na secretaria-executiva do MEC e Maria Inês Fini na presidência do Inep são uma ousadia do ministro Mendonça Filho: a decisão de proteger os direitos dos estudantes contra a aliança entre a politicagem triunfante e o corporativismo sindical, grudados por uma gosma ideológica. Infelizmente, as duas Marias serão expostas a uma guerra suja, como sabem por experiência própria.
Maria & Maria têm uma plataforma para a Educação. 1) Base curricular unificada, com foco no “aprender a aprender”; 2) Avaliação sistemática das escolas, baseada em metas definidas; 3) Qualificação permanente dos professores; 4) Bonificação por mérito para escolas e professores.
Elas sofrerão, por isso, intensa sabotagem de camarilhas políticas, interessadas na colonização do sistema de ensino por cabos eleitorais, da burocracia aparelhada do MEC, consagrada a diversos tipos de doutrinação ideológica, e de associações sindicais de professores, avessas a distinções meritocráticas de remuneração. Todos esses grupos tecerão pactos de conveniência contra as duas Marias, boicotando suas iniciativas. São eles os “conservadores”: querem conservar um ensino público que conspira contra o direito à educação dos filhos dos pobres.
Maria Helena assumiu a Secretaria da Educação de São Paulo em julho de 2007, mas durou apenas até março de 2009. O Índice de Desenvolvimento da Educação de São Paulo (Idesp) registrou avanços em 70% das escolas. Contudo, de olho na sua campanha presidencial, o então governador José Serra entregou a cabeça da secretária numa bandeja de prata, cedendo à campanha da Apeoesp contra a unificação curricular, a avaliação das escolas e a bonificação por mérito. Numa entrevista, Maria Inês disse o que se sabe (“A maioria dos professores são heróis: dão 60 horas de aula por semana. É por isso que as melhores cabeças estão indo para qualquer outra área, menos para a sala de aula”) e também o que não é óbvio.
Os professores “são preparados para transmitir informação, não para promover a cultura do conhecimento”. Nas escolas, “dificilmente se ouve o estudante”, mas “nenhum professor pode ter medo do que o aluno pensa” pois “é fundamental ter acesso às estruturas de pensamento da turma”. No governo FHC, idealizou o Enem como ferramenta de avaliação da “cultura do conhecimento” e de investigação das “estruturas de pensamento”. Depois, os bárbaros desvirtuaram o exame, convertendo-o em vestibulão nacional e, às vezes, em megafone de delinquências extremistas (ano passado, uma questão celebrava o antiamericanismo de Slavoj Zizek, para quem Pol Pot “não foi radical o suficiente”).
Na guerra contra as duas Marias, as universidades federais ocuparão lugar de vanguarda. A ordem de tiro partirá de cima: em setembro de 2014, 54 reitores das federais prostraram-se diante de Dilma Rousseff, oferecendo-lhe seus préstimos na campanha eleitoral. De acordo com o texto que assinaram, eles tomavam posição “enquanto dirigentes universitários eleitos”, forma despudorada de expor uma concepção sobre as relações entre universidade, política e partido. Suspeito que, além das tradicionais reivindicações corporativas, a próxima greve das federais será movida por objetivos político-partidários.
Ao aceitar as nomeações, Maria & Maria revelam a coragem de enfrentar poderosas máquinas políticas e sindicais sem contar com “ninguém” por trás: os escolares, crianças ou adolescentes, são o “povo desorganizado” na sua máxima fragilidade. A esperança de mudança no ensino passa a depender das convicções de Mendonça e do improvável compromisso de Michel Temer com os interesses de quem não têm voz.
Fonte: Folha de S. Paulo, dia 21/05/2016
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