Com o setor público em virtual colapso financeiro, somente as concessões privadas poderão salvar a combalida infraestrutura nacional do desastre, ainda que haja enorme resistência de certos segmentos à sua consolidação no país. Vivemos isso na recente gestão petista federal, em administrações estaduais, e por último, de forma surpreendente, na ação de órgãos fiscalizadores, como o TCU, embalados pela força da nova notoriedade obtida nas recentes iniciativas anticorrupção.
Na contramão da literatura econômica e de como o mundo opera, há no Brasil a visão equivocada de que as concessões são instrumentos de captura das agências reguladoras pelo ente privado, a fim de abocanharem lucros exorbitantes. Na verdade, de forma simplificada, a escolha dos concessionários é feita em leilões competitivos, onde, bem concebidos, ganha o que oferecer a menor tarifa, ou a menor taxa de retorno possível, em comparação com as alternativas de investimento disponíveis, após considerados os diferenciais de risco.
E é o usuário quem paga diretamente o custo do serviço, como deveria ser, reservando-se o escasso dinheirinho do contribuinte para outras atividades que compete ao governo prioritariamente cuidar.
Existe entre políticos e outros grupos a postura populista de buscar apoio da sociedade com a bandeira da menor tarifa imaginável (e não a possível), ainda que isso mutile o próprio modelo e afaste candidatos às concessões. Nos demais casos, pode ser um mero viés ideológico ou antiprivado que também opera no país.
Para se adaptar ao novo quadro econômico pós-FHC, as autoridades aproveitaram o fato de o custo financeiro do país ter se reduzido no início da fase petista para introduzir a metodologia do “fluxo de caixa marginal” (FCM), a ser usada nos reequilíbrios de contratos para a execução de novos investimentos não previstos nos contratos existentes, seguindo orientação do próprio TCU (Acordão 2.927/11). Com base no FCM, os cálculos passaram, nesses casos, a ser feitos não com base no retorno original da concessão, mas numa taxa arbitrada pelo governo que levaria em conta as novas condições mais favoráveis da economia.
Só que, agora, o movimento anticoncessão se manifesta na discussão sobre como enfrentar a necessidade de investimentos urgentes em concessões antigas, como a Via Dutra, por onde passa diariamente quase metade da economia nacional, e que corta 36 cidades do Rio e de São Paulo. Conforme estudos da Firjan, em que pese tudo que se fez desde o início da concessão da Dutra, o índice de acidentes ainda é alto, devido principalmente à Serra das Araras, onde o tempo médio de congestionamento diário é de duas horas, e dezenas de cargas não conseguem descer pela atual pista de descida, cujo traçado é de 1928, obrigando a interrupção do tráfego na pista de subida, para que os caminhões desçam pela contramão, provocando engarrafamentos de vários quilômetros. Além do desconforto e da falta de segurança para os passageiros, o gargalo da Serra das Araras impõe enorme custo econômico à região e ao país.
Mesmo dispondo da metodologia do FCM para avaliar novos investimentos, a ANTT vem de sinalizar que abrirá mão de seu papel legal por estar cansada de enfrentar a resistência contrária de órgãos como o TCU, que, ao invés de focar no equacionamento dos problemas da rodovia, preferem esperar o fim da concessão, mesmo sem saber se uma nova licitação reduzirá, de fato, o pedágio. Nesses termos, a ANTT sinaliza que o Poder Executivo não está cumprindo o papel que deveria exercer. Deixaria, assim, o país, de enfrentar o problema de frente, adiando sua solução para a próxima década.
Como a atual concessão se encerra em 2021, estima a Firjan que é preciso aguardar pelo menos cinco anos para a nova concessionária ter fluxo de caixa para iniciar a obra e, finalmente, mais cinco anos para o processo de licenciamento e licitação da construção. Portanto, se tudo desse certo, seria preciso esperar mais de uma década para que as obras ficassem prontas.
A saída rápida que se coloca é a simples extensão do contrato por mais alguns anos, na medida requerida para bancar o custo do investimento, e sem precisar aumentar o valor do pedágio, algo perfeitamente coberto pelas leis vigentes, conforme pareceres jurídicos existentes.
O pior é que há recursos disponíveis e aparente disposição empresarial para acabar com o principal gargalo da economia regional e, mais que isso, eliminar a triste contabilidade de quase duas mortes por dia só na decida da Serra das Araras. E num momento em que o governo, sem saber como encurtar o tempo que levará à volta da normalidade econômica do país, deveria estar garimpando qualquer possibilidade de esse tipo de gasto se viabilizar, em vez de se dedicar à venda infrutífera de um novo programa de concessões no exterior, que só ganhará musculatura quando os investidores potenciais perceberem que tanto as concessões mais antigas quanto as da safra de 2013 estarão devidamente equacionadas.
Fonte: “O Globo”, 13 de fevereiro de 2017.
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