A aprovação da emenda constitucional que limita o crescimento do gasto do governo à inflação passada será uma verdadeira “revolução” na definição do Orçamento público do país. Até sua aprovação, todo aumento de gasto era financiado pelo conjunto da sociedade, sem transparência, por meio de aumento da carga tributária, aumento do déficit – e, portanto, da dívida pública – e aumento da inflação.
Apesar da dificuldade de definir, a priori, que grupos sociais iriam financiar o aumento, não é necessário ser um especialista em finanças públicas para concluir que, no final das contas, eram os grupos com menor capacidade de se proteger de mais impostos, mais dívida e mais inflação que pagavam a conta. Ou seja, os mais pobres e menos organizados.
Com a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55, um aumento de gasto em uma linha orçamentária (educação, por exemplo) terá de ser financiado por uma redução em outra linha orçamentária (aposentadorias, por exemplo). O financiador será definido no exato momento em que o gasto for definido. As disputas por fatias do Orçamento se tornarão transparentes, com os diferentes interesses tendo de se manifestar claramente já durante a discussão e aprovação do projeto orçamentário. A sociedade conseguirá identificar as prioridades dos parlamentares por meio das propostas por eles aprovadas. E, nas eleições, poderá escolher aqueles cujas prioridades forem similares às suas.
Reforma da previdência
Esta “revolução” já irá se mostrar efetiva na discussão da reforma da Previdência. As aposentadorias e pensões consomem, atualmente, 41,5% do total dos gastos do governo federal. Temos menos de 8% da população com mais de 65 anos.
Sem reforma, os gastos com Previdência aumentam 4% em termos reais a cada ano.
Como o gasto total terá de permanecer constante, daqui a 20 anos os gastos com Previdência e assistência social serão responsáveis por 100% do gasto total. Não sobrariam recursos para nenhum outro item do Orçamento (educação, saúde, segurança, defesa, políticas sociais, etc.).
Portanto, ou o Congresso anula a emenda constitucional que limita o crescimento do gasto público ou aprova uma reforma da Previdência que evite que os gastos com este item do Orçamento continuem crescendo 4% ao ano.
A reforma proposta pelo governo é bastante abrangente e atinge praticamente todos os grupos sociais envolvidos. Mas, ainda assim, não interrompe o crescimento do gasto real com aposentadorias e pensões. Se aprovada por inteiro, a proposta deverá reduzir o aumento destes gastos para algo próximo a 0,5% ao ano. Uma forte redução, mas incapaz de evitar a compressão de outros gastos ao longo do tempo.
O Congresso está diante de um dilema: afrouxar a proposta da Previdência enviada pelo governo e reduzir, gradualmente, os gastos com outros itens do Orçamento ou tornar a proposta ainda mais dura e abrangente (endurecendo a transição para os funcionários públicos e incluindo imediatamente os militares, por exemplo), criando espaço para aumentar as verbas para educação e saúde, segurança, etc., nos próximos Orçamentos.
Para proteger esses setores, será necessário que as bancadas de congressistas a eles ligados, as organizações da sociedade civil (Movimento Todos pela Educação, Instituto Ayrton Senna, Fundação Oswaldo Cruz, Academia Brasileira de Ciências, etc.) e as organizações de classe (sindicatos de médicos e professores, conselhos profissionais, etc.) pressionem para que a reforma não seja desfigurada. Ao contrário, que seja endurecida. A disputa por fatias do Orçamento vai esquentar. É a democracia!
Fonte: O Estado de S.Paulo, 20/12/2016.
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