Estamos passando por um dos momentos mais difíceis de nossa história. A sociedade se encontra polarizada e não é exagero falar em fanatismo e intolerância no Brasil nos dias de hoje. Em breve teremos um novo presidente da República e mal sabemos quais são suas propostas para a economia, saúde, educação e segurança. A campanha eleitoral transcorreu em torno de temas como costumes, violência e religião, enquanto o tema da estabilidade econômica foi abordado lateralmente.
A falta de debate econômico é resultado da impopularidade do atual governo. Temer adotou medidas que ajudariam a trazer o país de volta para os trilhos: teto de gastos, fim dos subsídios do BNDES, reforma trabalhista, fim do controle de preços dos combustíveis, entre outras. No entanto, os escândalos de corrupção evitaram a aprovação da mais importante reforma, a da Previdência, e a continuidade da agenda liberalizante, abortando de vez a retomada mais forte da economia. Sem crescimento, ficou difícil defender a pauta do atual governo e, dessa forma, só os candidatos com ideias intervencionistas e estatizantes apresentaram “soluções” para a atual crise. Ideias que, por sinal, já foram testadas e definitivamente não deram certo.
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Por onde começar as reformas?
A pavorosa situação fiscal do governo brasileiro
A ironia do cenário econômico
O desafio fiscal que enfrentamos agora é enorme e temos pela frente um cenário internacional bem menos favorável que nos últimos anos. Na semana passada, assistimos a quedas expressivas nas bolsas de valores das principais economias, enquanto o rendimento de 10 anos do Tesouro americano ultrapassou 3%, atingindo seu nível mais alto desde 2011. A mudança de humor no cenário internacional já havia chegado aos países emergentes desde maio. Neste ano, o peso argentino já se desvalorizou mais de 100%, a lira turca 63% e o rand africano 21%. É o sinal mais claro de que os investidores estão preocupados com as perspectivas para a economia global, com a piora das relações sino-americanas, com o aperto monetário por parte do Fed e com a guerra comercial. Não há mais tempo ou paciência para os emergentes que não corrigirem seus fundamentos. Países com vulnerabilidades externa e/ou fiscal serão os mais afetados, como a história sempre nos ensinou.
O Brasil está atrasado em mais de duas décadas no debate sobre a reforma da Previdência, reforma tributária e na busca por maior produtividade. A responsabilidade dessa crise é da própria sociedade, que tem adiado por tanto tempo as mudanças que afetam grupos de interesse bem organizados. O quadro atual é tão ruim que será impossível zerar o déficit primário da União em um ou dois anos, como alguns candidatos propuseram, mesmo com aumento de tributos, palavra proibida durante a campanha. Medidas de pequeno impacto como imposto sobre grandes fortunas, vendas de imóveis públicos e diminuição do número de ministérios não chegam nem perto do ajuste necessário.
Mesmo sem debater propostas para a economia, o candidato mais posicionado para vencer as eleições traz a esperança de realizar as reformas necessárias por contar ao seu lado com um economista liberal e ciente de nossas fragilidades. No entanto, ambos não devem ter ilusões. Depois do segundo turno, começa o terceiro turno. Neste, o candidato não é mais um poço onde depositaremos nossas expectativas e o ambiente externo é hostil. Temos urgência em saber qual será a base política do novo governo, seus planos imediatos e sua capacidade de implementá-los brevemente. Uma vez passado esse período de indefinições, poderemos dizer se seremos capazes (ou não) de virar a página mais difícil da nossa história democrática.
Assista à participação de Solange Srour em debate promovido pelo Imil: