(…) sociedades prosperam quando há incentivos claros para produzir e colher os ganhos da cooperação social por meio da especialização e do comércio. Se uma sociedade quiser obter sua maior renda possível, os incentivos devem ser não apenas claros, mas também induzir empresas e indivíduos na economia a interagir de maneira socialmente eficiente. (Mancur Olson) [1]
Em maio de 2019 o Instituto IPSOS publicou a pesquisa What Worries the World (o que mais preocupa o mundo) [2]. A metodologia utilizada permitiu que cada pesquisado registrasse mais de um objeto de preocupação. A distribuição planetária está expressa na Tabela 1.
Também foi perguntado se os governos estavam no caminho certo ou errado em relação ao combate das temáticas mais preocupantes. Para a maioria (58%) os caminhos adotados estão errados.
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As respostas dadas pelos brasileiros que participaram da pesquisa demonstram que a hierarquia dos temas que nos preocupam é diferente da média global, conforme pode-se observar na Tabela 2.
Os problemas identificados fizeram-me imediatamente rememorar a pirâmide hierárquica das necessidades de Maslow: manter-se inteiro e vivo; manter-se saudável; trabalhar (obter renda). Talvez sirva como um bom indicador de pobreza.
A pesquisa também revela que para 59% dos respondentes brasileiros, os governos estavam no caminho errado para a superação dos problemas identificados como os mais preocupantes em Maio de 2019.
Cuidados de saúde são a segunda maior preocupação dos brasileiros. A população está ficando cada vez mais velha e procriando cada vez menos. Nossa economia é historicamente (mal) dirigida pelo Estado e, segundo nossa última Constituição, saúde é direito e é dever do Estado provê-la.
Há alguns dias escrevi que pesquisa de opinião publicada pela Confederação Nacional de Indústria em 2018 afirma que o “percentual de brasileiros que avalia a saúde pública ruim ou péssima passou de 61% em 2011, para 75% em 2018”. Também demonstra que três em cada quatro “concordam que políticas preventivas são mais importantes para melhorar a saúde da população do que a construção de hospitais” [3].
A combinação destes fatores talvez seja suficiente para explicar o porquê dos cuidados de saúde serem considerados segundo principal fator de preocupação. Situação geral esta que pode indicar que experiência Estado-centrada de construção do sistema nacional de saúde brasileiro dos últimos 30 anos falhou.
Tudo indica que está na hora de superar o SUS 1.0. O que seria um Sistema Nacional de Saúde 2.0?
Com certeza um sistema baseado na liberdade. Liberdade de profissionais da saúde e administradores se associarem e ofertarem seus serviços à população a preços adequados a ambos lados. Liberdade dos indivíduos e suas famílias escolherem os profissionais conforme sua necessidade e disponibilidade.
A maioria da população brasileira reside ou trabalha em centros urbanos e utiliza intensamente tecnologias contemporâneas de comunicação, como smartphones. A infraestrutura telefonia 5G está chegando ao país e poderá provocar uma verdadeira revolução no uso da comunicação remota para cuidados de saúde diversos, incluindo educacionais e mesmo terapêuticas.
Um SUS 2.0 deveria se basear em planos de saúde privados populares que ofertassem listas específicas de serviços a serem disponibilizados conforme conhecimentos epidemiológicos e sanitários do território onde se instalem. O governo deveria agir de forma concentrada para ofertar serviços de elevados custos e complexidades naqueles territórios onde as populações não tivessem acesso a estes serviços ofertados pelas empresas.
Num sistema de saúde deste tipo, o técnico formado em medicina super-especializado (cuja formação é caríssima para o indivíduo, sua família e o conjunto da sociedade) deveria ser a exceção. Excepcionalidade para atender casos excepcionais. É urgente a formação de um conjunto de profissionais que consiga fazer diagnósticos adequados no nível primário e ter poder para prescrever fármacos ou outros cuidados característicos.
Desdobramento necessário deste SUS 2.0 é a reestruturação organizacional do Ministério da Saúde e de todos seus colaterais diretos e indiretos, tendo o princípio da especialização como fundamento para que o mesmo haja como efetivo coordenador do conjunto do sistema, em particular em ações que envolvam segurança populacional ou fronteiriça. Foco em Inteligência e em capacidade de coordenação e mobilização de recursos.
Sair do SUS 1.0 para o SUS 2.0 não é trivial, pois há uma série de problemas a serem atacados simultaneamente, com resultados não simultâneos e não sequenciais:
• Provimento de serviços promotores de saúde individual ou coletiva estado-centrados;
• Concorrência entre público e privado protagonizada pelos governos;
• Barreiras de entrada corporativas que impedem o aumento de oferta de profissionais ou serviços de saúde;
• Excessivo intervencionismo estatal na economia;
• Desconhecimento dos custos gerados por cada regra criada pela tecnocracia pública;
• Desconstitucionalização das regras de financiamento e organização do SUS;
• Revisão das Leis 8080/1990 e 8142/1990;
• Desconsideração efetiva das avaliações dos usuários para aprimoramento dos serviços de saúde.
+ Everardo Maciel: PEC 45, são muitos os que perdem
Há muitos desafios estruturais e culturais a serem superados. Todos eles passam, obrigatoriamente, pela desconstitucionalização das regras de financiamento e de organização do SUS 1.0, assim como revisão crítica das leis 8080 e 8142, ambas publicadas em 1990. Ofertar tudo a todos é impossível. Ofertar algumas coisas de acordo com conhecimento das necessidades e capacidade, é possível mediante colaboração entre um setor público focado em atender o cidadão e o setor privado livre de coações incivilizadas.
(1) Olson, Mancur. Power and Prosperity. Outgrowing communist and capitalista dictatorships.
(2) https://www.ipsos.com/sites/default/files/ct/news/documents/2019-07/brazil_what_worries_the_world_may_2019.pdf