Do ponto de vista político, é um apelo muito lúcido pela união dos oposicionistas, uma verdadeira carta aberta ao governador de Minas Gerais, Aécio Neves, do PSDB. Um estadista entre nossos ex-presidentes vivos, Fernando Henrique Cardoso propõe uma aliança entre São Paulo e Minas Gerais, para impedir o ressurgimento do “autoritarismo burocrático com poder econômico e financeiro”. Trata-se de mais um episódio na disputa entre duas espécies semelhantes: tucanos e petistas.
Prisioneiros intelectuais de Gramsci, assistimos ao feroz embate entre PT e PSDB. Eles reproduzem na política o princípio evolucionário de Gause: espécies semelhantes se enfrentam numa guerra de extermínio pelo domínio de um mesmo nicho ecológico – no caso, o controle do aparelho de Estado. Ao longo de quatro mandatos, o próprio FHC havia admitido que a disputa entre ambos se limitava à tomada de poder, já que não mais havia entre eles discordâncias ideológicas, tendo convergido todos ao “pensamento único”.
Pois bem, está encerrada a celebração dessa convergência ao pensamento social-democrata, a ponto de o ex-presidente declarar estarmos diante de “duas candidaturas polares”, extremos opostos em decisivo combate pelos destinos da sociedade brasileira. “Pouco a pouco, o pensamento único esmagará os anseios dos que sustentam uma visão aberta da sociedade. Estará em jogo a própria concepção do que seja a democracia”, adverte o ex-presidente. É compreensível o temor de FHC.
Há uma farta documentação histórica que registra a associação de enormes estruturas burocráticas de administração centralizada com regimes políticos degenerados. A tradição dirigista de centralização burocrática na França foi um eixo de transmissão do autoritarismo através dos tempos, com o despotismo dos reis, o terror jacobino e as guerras napoleônicas. O mesmo fenômeno se desenrolou pela burocracia prussiana na Alemanha imperial de Bismarck, a social-democracia da República de Weimar e o capitalismo de Estado, com o Partido Nacional-Socialista de Hitler.
Acabou a convergência do pensamento social-democrata.
Agora há duas candidaturas “polares”
Mais do que um possível futuro da sociedade brasileira, a associação de grandes grupos de interesses corporativos com partidos políticos desidratados a serviço de uma ideologia nacional-estatizante é o nosso passado recente sob o regime militar. É natural que tucanos temam arbitrariedades desse Leviatã agora aparelhado pelos petistas. Da mesma forma que tucanos e petistas sentiram o peso dessa engrenagem quando a serviço dos militares.
“A tendência que vem marcando os últimos 18 meses do atual governo nos levará a um modelo de sociedade que se baseia na predominância de uma forma de capitalismo na qual governo e umas grandes corporações se unem sob a tutela de uma burocracia permeada por interesses corporativos e partidários”, alerta-nos o ex-presidente.
Sim, é verdade que “o capitalismo vem em diversos sabores, alguns muito melhores que outros”, nas palavras de George Akerlof, prêmio Nobel de Economia em 2001. O formidável desempenho da economia americana no século XX é atribuído ao “capitalismo dos empreendedores”. A modalidade é distinta da existente no Japão e na Europa continental, onde predominam grandes empresas auxiliadas por governos, de um lado, e pequenos varejistas e empresas familiares, de outro.
São também importantes duas novas modalidades em tempos de globalização. Uma é o “capitalismo dopado”, versão americana promovida por equívocos do Federal Reserve, o banco central americano, sob a presidência de Alan Greenspan e mantida por falta de alternativa pelo Fed de Ben Bernanke. Outra é o “capitalismo selvagem do século XXI”, versão chinesa promovida pelo Partido Comunista. O ex-presidente FHC denuncia o “capitalismo oligárquico”, variante bastarda bastante nociva em que uma pequena elite de políticos e empresários concentra o poder e as oportunidades lucrativas em suas mãos. Bem-vindo ao bom combate.
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