O ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco é um dos economistas mais influentes do Brasil. Ele foi um dos membros da equipe econômica responsável pela criação do Plano Real. Por outro lado, muitos o criticam pela crise cambial vivida pelo País na década de 1990, ao tentar, por tempo demasiado, manter a paridade entre o real e o dólar. O cargo no Banco Central se foi, mas o prestígio não. Agora, Franco encabeça a equipe econômica de João Amoêdo, pré-candidato à presidência pelo partido Novo. E uma crise, como a dos caminhoneiros, que parou o Brasil por mais de uma semana, é uma terra fértil para esse economista plantar a semente do liberalismo. Segundo ele, todas as dificuldades vividas pelo País desde que Michel Temer assumiu o Planalto, em maio de 2016, têm uma única origem: a reeleição de Dilma Rousseff, em 2014. “Temos que lembrar que, até o fim deste ano, o que estamos vivendo é o mandato da Dilma. É o seu vice que está lá. É o seu Congresso que lá está”, afirma. A revolta dos caminhoneiros, para ele, é apenas um dos barris de pólvora que estão prontos para explodir. E a solução é a abertura do mercado. “Por que não discutir a privatização da Petrobras?”, questiona o economista, que defende a política de preços praticada por Pedro Parente, presidente da estatal. Leia a seguir a entrevista que Franco deu à DINHEIRO.
ISTOÉ: Por que o governo está sofrendo tanto com a rejeição da população?
GUSTAVO FRANCO – Nós estamos em um fim de governo muito difícil, por todos os déficits de popularidade e de legitimidade. Sua eficácia cai com o tempo e, a cada problema, a capacidade de resolver é menor. Esse assunto dos caminhoneiros não era para ter tido essa dimensão. A ineficácia junta-se à impopularidade, que nos faz lembrar muito de algo que aconteceu em 2013, as jornadas de junho.
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O Datafolha mostra que 87% da população apoia a greve, mas que não querem pagar a conta. O que isso significa?
É legítimo o cidadão apoiar a greve. Mas deve saber que é ele quem vai pagar a conta desse arranjo que vai beneficiar os caminhoneiros. Todo mundo gosta de pensar que pode ter um almoço grátis. Mas isso não existe. Quem vai pagar os prejuízos causados a terceiros, causados pelo protesto? Quantos litros de leite foram desperdiçados e quantas aves morreram sem ração? Os prejuízos são imensos. Quem se responsabilizará por isso?
Com certeza não serão os grevistas…
Esse é um protesto amplo, com alguns elementos sindicais e outros patronais. Com esse tipo de movimento, espontâneo, não há característica negocial. Havia gente pedindo a cabeça de presidente da Petrobras, Pedro Parente, outros a intervenção militar. Em muitos momentos, o protesto perdeu relação com a realidade. Muitos pedidos não tinham cabimento. Infelizmente, o que deveria ter sido feito, era ter prevenido o protesto.
Era possível?
Isso tudo começou com um choque de petróleo. Quem se lembrar dos anos 1970, recorda que aconteceram coisas traumáticas. Aquele choque produziu recessão, inflação, problemas no balanço de pagamentos. Agora, não há nada parecido com isso. Existe apenas a irritação de quem foi afetado por uma mudança inevitável no custo do petróleo. Tivemos muitas experiências com a Petrobras que comprovam que o preço doméstico tem de ficar alinhado com os preços internacionais. Não podemos viver fora da realidade da vida econômica. A fórmula de preços a Petrobras está correta filosoficamente. Dá para se discutir se o repasse deve ser diário ou não. Vejo vários especialistas falando sobre a criação de um tributo regulatório, que desce quando o preço está alto e sobe quando está baixo. Isso serviria para suavizar preços mais sensíveis à população, não só o diesel ou a gasolina, mas o gás também. Uma lástima que isso não tenha sido feito antes deste barril de pólvora explodir. Agora, vai ter de ser feito às pressas.
A mudança de política de preços feita pela Petrobras está correta, então?
Esse era o caminho. Vivíamos em uma situação absurda de populismo tarifário extremo. Uma política que quase quebrou a Petrobras. É de responsabilidade de Dilma Rousseff a produção de um endividamento escandaloso da companhia. Sair dessa política era inevitável. E caminhamos para o que é muito próximo do correto. Particularmente, não simpatizo com o reajuste diário dos derivados. Outros mecanismos deveriam existir para suavizar as variações. Também devemos discutir o monopólio. Estamos descobrindo que temos dois problemas muito sérios no fornecimento do diesel. O primeiro que a Petrobras estabelece um monopólio e o segundo é que ela é estatal.
Isso é um único problema ou são dois?
Bem… se não fosse estatal, o monopólio poderia ser pior. Quando tínhamos monopólio nas telecomunicações, a solução foi quebrar e transformar em várias empresas, para gerar competitividade em várias etapas do serviço. O propósito era beneficiar o consumidor. Na Petrobras, quando se pensa no consumidor, o governo vai para o populismo. O que talvez tenha faltado, no pensamento dessa política, foi envolver mais o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), a ANP (Agência Nacional do Petróleo), para que houvesse uma moderação na prática monopolista que a empresa se acostumou a ter. O próprio Cade publicou um documento com recomendações para aumentar a competição neste mercado. São várias propostas de bom senso de gente que entende de concorrência. No limite, uma das propostas é o autosserviço. Estamos pagando frentistas que não precisam existir. Todos pagamos por um interesse corporativista.
Isso resolveria a questão do monopólio. Mas o senhor disse que o fato dela ser estatal também é um problema.
Esse episódio e, antes dele, o Petrolão, serviram para tirar a Petrobras de um terreno do sagrado. Falar da privatização era um sacrilégio. Esses problemas a trouxeram para o terreno das empresas comuns. Ela é um monopólio e monopólios não são bons, sejam estatais ou privados. Quem sabe, faça sentido dividir. Mas, para que tenha competição, seria interessante privatizar um pedaço ou outro. Essa discussão agora começou e vamos demorar um tempo debruçado sobre o assunto para chegar a uma solução.
Acredita que esse tema será discutido no processo eleitoral?
Pode ser um tema prematuro para a eleição. As ideias ainda não estão muito disseminadas. Mas é papel dos economistas dos partidos falar sobre coisas que ainda estão verdes na cabeça dos eleitores. Não se paga nada para pensar e imaginar como poderia ser diferente. Nesse processo, é preciso levar uma consideração importante ao consumidor. A soberania nacional, a economia de divisas, a autossuficiência – tudo isso mudou no decorrer do tempo. Esse ideal de autossuficiência foi muito relativizado.
Entre as reivindicações, havia pedidos de intervenção militar. E regimes rígidos, por definição, são intervencionistas. Será que essa pauta cabe neste momento?
Eu vi essas manifestações, mas elas são pontuais, minoritárias, e o radicalismo existe para os dois lados. Cada um tem a liberdade de expressar sua irritação e, às vezes, ela se manifesta desse jeito. É uma forma de mostrar a insatisfação com a situação atual. O que isso mostra é somente a cabeça feita dos extremos. Três quartos do País não têm ainda uma opinião formada sobre os candidatos. O resto do país tem mais serenidade, equilíbrio, e não decidiu ainda. De algum jeito, é o centro moderado que vai decidir a eleição e torço para que escolhamos certo.
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O PIB apontou um crescimento de 0,4% no primeiro trimestre, o que mostra que a recuperação ainda é lenta. O PIB baixo impulsiona esse extremismo?
A recuperação é lenta, mas foi o que deu para fazer nesse ambiente político muito difícil, de ausência de liderança política e incerteza eleitoral. Acho que a economia, personificada na dona de casa, está prendendo a respiração, esperando passar esse momento. A vida vai começar para valer em 2019, com uma liderança que traga algum alento econômico. Temos que lembrar que, até o fim deste ano, o que estamos vivendo é o mandato da Dilma. É o seu vice que está lá. É o seu Congresso que lá está. Foram eleitos baseados em uma aliança entre PT e PMDB. O impeachment deu um cavalo de pau na economia, mas é o mandato da Dilma que estamos terminando. Não daria para ser diferente. Já deixamos para trás parte do péssimo legado dela, mas temos que terminar esse mandato.
O senhor está chefiando o plano econômico de João Amoêdo, pré-candidato do Partido Novo. Como prevê a participação dele na corrida ao Planalto?
Barulho, tenha a certeza de que vamos fazer. Nós somos um partido jovem. É apenas a nossa segunda eleição e a primeira nacional. E achamos que podemos formar uma bancada. Não sabemos qual vai ser o tamanho. Mas, hoje, a bancada de deputados liberais é próxima de zero. Quem sabe, na próxima legislatura, poderá ter mais de 10, seja do Novo ou de outras legendas com essa mesma mentalidade. Isso vai fazer uma diferença importante no Parlamento. Lá, prevalece uma rotina modorrenta corporativista. Tivemos a experiência de eleger quatro vereadores, em quatro capitais. Sabemos a encrenca que essa voz do liberalismo pode gerar. Imagine se conseguirmos eleger 30 deputados. Isso seria magnífico. Os partidos do Centrão não têm nitidez ideológica, então a representação do Novo teria uma visibilidade desproporcional ao seu número.
Fonte: “IstoÉ”