Quando menos se espera, surge uma surpresa, ainda que velha e carcomida, e por isso mesmo surpresa ainda maior. Confesso que não supunha tivesse de ver o ressurgimento de uma grosseira violência fartamente praticada ao tempo do regime autoritário. Pois a censura à imprensa que vicejou naquele período passou a ter defensores, agora sob a máscara do “marco regulatório da comunicação”, volto a dizer que, nesta altura do século, não imaginava que alguém tivesse a ousadia de pretender a censura à imprensa e o autor dessa iniciativa fosse parlamentar com a agravante de ser presidente de partido numeroso que, aliás, tem na presidente da República uma filiada. É espantoso.
A propósito, começo por lembrar a observação de Guglielmo Ferrero em seu profundo estudo sobre “O Poder”, “a censura, a princípio limitada à imprensa de oposição, pouco a pouco alarga-se a todas as manifestações do espírito”, razão por que, escreveu Rui Barbosa, “de todas as liberdades, é a da imprensa a mais necessária e a mais conspícua”, e como sempre ocorre quando se cuida dos valores supremos de liberdade, de dignidade humana, de justiça, é a ele que se recorre; e, quando se verifica que o presidente de um partido e parlamentar por ele eleito postula a censura à imprensa, é de ser lembrada a lição do estadista que também foi jornalista; em “A imprensa e o dever da verdade”, “por agros e amaríssimos que sejam os assuntos ventilados, quando a verdade o exige, muita vez se perderá por carta de menos, mas por carta de mais não há perder nunca. Quanto mais robusta a nacionalidade, mais largo os seus costumes no exercício deste direito. É um dos sintomas, por onde melhor se revela, em qualquer comunidade, a sua boa saúde moral. As que não suportam com serenidade a discussão dos escândalos públicos, e não reconhecem o civismo dos que, para os desmascarar, se afrontam com o poder, o dinheiro, a soberba dos grandes, ainda bem longe se acham dessa autonomia, em que se lhe embala a vaidade”.
Pois é esse patrimônio cultural e institucional que se pretende agora mutilar, quando resistiu inclusive em períodos de ostensiva, desabrida e demorada ditadura. É realmente impressionante a naturalidade com que se apregoa a natureza da iniciativa e sua finalidade.
Como é sabido, foi a “Veja” que, por primeiro, divulgou irregularidades graves em ministério que levou o respectivo titular a pedir demissão, maneira diplomática de despachar o ministro envolvido. A partir de então, sucederam-se as denúncias, de evidente gravidade, deduzidas por conceituados jornais, de resto, os maiores do país, a “Folha de S. Paulo”, o “Estadão”, o “Globo”… até que os dois últimos ministros alvejados foram “blindados” pela senhora presidente, segundo se diz, para não comprometer o ministério inteiro, que terminaria esfarrapado pelo critério pelo qual fora composto. O fato é que foi a imprensa, e só ela, que descobriu e divulgou as insignes anomalias e todas teriam ficado incólumes não fora a imprensa, pois dos serviços estatais nenhuma contribuição apareceu. Nenhuma. Agora a situação se agravou ainda mais. Para resumi-la, sirvo-me do editorial do “O Globo” que usou de seu prestígio e autoridade para analisar um fato inédito. O artigo começa assim: “Blogs e veículos de imprensa chapa-branca que atuam como linha auxiliar de setores radicais do PT desfecharam uma campanha organizada contra a revista “Veja”, na esteira do escândalo Cachoeira/ Demóstenes/ Delta”. E aditou “é indisfarçável, ainda, a tentativa de atemorizar a imprensa profissional como um todo…”
Como se vê, é urgente amordaçar a imprensa que descobriu coisas que o aparato estatal com seus imensos recursos nem imaginava pudessem existir.
Fonte: Zero Hora, 14/05/2012
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