Diz o Relatório Focus, emitido pelo Banco Central e que resume o cenário macroeconômico definido pelo mercado privado, que em 31 de dezembro de 2021 o dólar será negociado a R$ 5,08. Qual a chance disso estar certo?
Zero.
Diz também que o PIB do próximo subirá 3,5% – número que só será oficialmente conhecido em abril de 2022. De novo, chance zero de cravar o dado.
Então, por que se fazem essas previsões?
Porque para algo servem.
Praticamente todos os países do mundo relevante adotam o sistema de metas de inflação, que é pilotado pelos respectivos bancos centrais. Se a inflação está em alta, em relação à meta fixada, o banco central eleva a taxa básica de juros e inversamente.
Ora, quem opera com as taxas de juros, câmbio, inflação, PIB, etc., são os investidores, empresas e pessoas, por meio das instituições financeiras, nacionais e estrangeiras, que compõem o mercado. Mas também fazem parte desse sistema as principais consultorias econômicas, departamentos de estudos de entidades e de bancos.
Logicamente, os bancos centrais precisam conversar com o mercado. O regime de metas funciona bem – é até o requisito – quando mercado e banco central sabem o que o outro pensando.
Os bancos centrais falam por comunicados oficiais, atas de suas reuniões, relatórios trimestrais de inflação e pelos discursos e apresentações feitos pelos seus diretores.
O mercado fala com seus cenários. Aqui no Brasil, mas de 100 instituições constroem seus cenários macro e os enviam ao BCB. Isso toda sexta-feira. Os técnicos do BC passam o fim de semana tabulando isso e toda segunda-feira, bem cedinho, colocam no site o resumo, o cenário dominante.
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Por que toda semana se faz isso? Ora, porque a vida muda. No início deste ano , quem poderia prever o tamanho e a gravidade da pandemia? Normal que, naquele momento, bancos centrais e mercados, mundo afora, trabalhassem com perspectiva de crescimento neste ano.
Peguem lá os relatórios do FMI, Banco Mundial, OCDE e os nossos daqui: estava previsto crescimento global, num mundo mais ou menos comportado, a menos das disputas EUA x China.
Os relatórios mais recentes dizem que 2020 vai ser um dos piores anos da história, para todos os países.
Agora, de quanto será a queda de riqueza neste ano?
Aí tem para muitos gostos. Depende das variáveis tomadas com o ponto de partida: a pandemia vai arrefecer quando? Vi ontem um bom estudo econômico mostrando que a crise sanitária começa a acabar no Brasil em algum momento entre final de julho e início de agosto. Conforme o momento em que se acabe e conforme o tamanho da epidemia, deriva-se o tombo da atividade econômica.
Estão ali várias hipóteses, boa matemática, raciocínio fino. Mas e se amanhã sai uma vacina disponível ao Brasil?
Muda tudo, não é mesmo?
Em resumo, esses cenários são uma visão futura com os dados disponíveis no momento. Por isso, têm que ser constantemente feitos e refeitos.
Não tem sentido olhar o cenário de seis meses atrás e dizer: pô, os caras erraram feito. Claro, o senhor e a senhora sabiam de uma Covid-19?
Além disso, excluídos eventos radicais, os cenários não vão tão mal assim. Aliás os bancos centrais publicam mensalmente a relação das instituições de mercado que mais acertaram e distribuem uma premiação ao final de cada ano.
Neste momento, as previsões se dividem entre pessimistas, moderadamente pessimistas e catastróficas. Variam conforme o modo como cada país está tratando da pandemia.
A crise sanitária está deixando o mundo mais desenvolvido e crescendo entre os emergentes, Brasil à frente. Ter um presidente negacionista e um governo central ruim são os fatores que colocam o país entre os mais atrasados nas políticas de controle da doença e, pois, entre os mais atrasados na recuperação.
Esse é o cenário atual. Não precisa entrar em números – no caso, o jeitão da coisa é o que mais importa. E o mundo não está gostando do que vê aqui. Um problema, porque temos relações externas econômicas muito importantes para a atividade local.
E, mais importante, a maioria dos brasileiros também não está gostando que vê.
Fonte: “O Globo”, 11/6/2020