Ricos envergonhados são assim: quanto mais dinheiro ganham, mais adotam posições políticas contra o capitalismo em geral e o sistema financeiro em particular. O patrono da categoria é George Soros, que, aliás, continua lucrando com seus fundos especulativos, mas há representantes espalhados por toda parte. O número cresceu exponencialmente depois da erupção da crise global.
É como se fosse uma defesa antecipada. Reparem: a era de prosperidade do final do século passado e início deste trouxe um aumento da desigualdade. Centenas de milhões de pessoas deixaram a pobreza, formaram-se novas classes médias nos países emergentes, mas os ricos se deram melhor no mundo todo. Ganharam mais, aumentaram sua participação no bolo na fase de expansão e, se perderam muito no auge da crise, conseguiram melhor recuperação.
Logo, se os ricos foram os principais beneficiários disso tudo, então necessariamente são os culpados ou pelo menos os principais suspeitos, certo? Errado, respondem seus representantes. O problema está no sistema capitalista, explicam, apresentando-se como apenas uma peça da engrenagem. Vai daí, engrossam o coro anticapitalista e clamam por reformas.
Exagero? Pois então leiam sobre os debates no Fórum Econômico Mundial, em Davos, o tradicional encontro de líderes globais, públicos e privados, para ajustar os rumos da economia de mercado. O modelo faliu, procuram-se alternativas – foi o mote principal.
Terminou sem respostas. Ocorre que a alternativa ao capitalismo, o socialismo, morreu antes. A rigor, há apenas um regime socialista sobrevivente, o de Cuba, estagnado, pobre, com imensa dificuldade de crescimento. Por isso, está em reformas, mas em qual direção mesmo? Pois é, redução do Estado, incluindo demissão de funcionários públicos, e ampliação de áreas abertas à iniciativa privada estrangeira. A brasileira Odebrecht, por exemplo, vai produzir açúcar e etanol na ilha, com a bênção da presidente Dilma.
A presidente não foi a Davos. Foi a Porto Alegre, para o Fórum Social, a versão socialista, e lá lançou mais um ataque ao neoliberalismo, que não é bem um sinônimo de capitalismo, mas é quase.
De onde o leitor pode imaginar o tamanho da confusão. As reformas em Cuba são, nesse sentido, neoliberais. Menos Estado, mais mercado. Além disso, vamos dar uma olhada no noticiário local recente.
Está em curso o leilão de privatização de três grandes aeroportos brasileiros. OK, o governo e seus aliados de esquerda juram que não se trata de privatização, mas de concessão, porque nada será vendido. (Os demais aliados não dizem nada e muitos deles esperam obter alguma vantagem nesses grandes negócios).
Mas o mundo todo chama de privatização quando o governo pega um bem público e o concede, mediante pagamento, a empresas privadas por 30 anos, prorrogáveis. De novo, portanto, o que temos? Menos Estado, mais mercado. Aliás, membros do governo disseram isso mesmo sobre o leilão: teremos mais capital, nacional e estrangeiro, mais competição, mais tecnologia de fora. E menos Infraero, espera-se.
Também nesta semana, a área econômica do governo Dilma comemorou o superávit primário de 2011 e a redução do endividamento público como porcentagem do PIB. Alardearam: viram como este governo faz ajuste fiscal?
Ora, superávit primário, redução da dívida, ajustes, tudo isso é herança neoliberal. Mas a presidente Dilma disse em Porto Alegre que toda a América Latina, antineoliberal, vai muito bem, ao passo que os desenvolvidos, neoliberais, vão mal. E que a Europa vai cair no desemprego e na ditadura se insistir no ajuste “conservador” de redução das dívidas públicas.
Mas quais países europeus passam melhor por esse turbilhão? Alemanha e Holanda, por exemplo, justamente aqueles que cumpriram mais à risca a cartilha de ajuste conservador. Também foram os europeus que mais avançaram em reformas com o objetivo de destravar suas economias e abrir o mercado. Na Alemanha, houve até uma redução real de salários para tornar os produtos locais mais competitivos.
E a América Latina? Os países que vão bem são justamente aqueles que avançaram as reformas neoliberais dos anos 90. Podem reparar, todos têm as mesmas bases econômicas: responsabilidade fiscal, superávit primário, regime de metas de inflação, câmbio mais ou menos flutuante, privatizações, muita exportação para a China, acúmulo de reservas e, sim, programas tipo Bolsa Família. (Aliás, transferir dinheiro diretamente para os mais pobres foi uma ideia nascida no campo liberal.)
Finalmente, qual o país rico que está saindo mais depressa da crise? Os Estados Unidos, onde, aliás, há o maior número de ricos envergonhados. Ah! O sistema!
Fonte: O Globo, 02/02/2012
Eu nem chamo esse pessoal de rico envergonhado. É rico hipócrita mesmo e não é coisa nova. Entre os famosos magnatas da explosão industrial americana, o mais mesquinho deles com os seus trabalhadores era o Andrew Carnegie, mas era o que fazia discursos exaltando os sindicatos, mais falava em “responsabilidade social” e se exibia como filantropo. Ainda bem que o sucesso do dito capitalismo pouco depende das virtudes convencionais dos ricaços. São apenas canais de movimentação criativa do…
O que esses “ricos” querem é capitalismo estatal. Querem lucro privado, prejuízo público. Ô beleza!