Não podendo ser alterada antes de 2026, quando completará 10 anos de sua aprovação, a PEC do Teto criou uma forma à primeira vista simples e atrativa de conter o crescimento dos gastos e da dívida pública, ao impor que o gasto federal total não crescesse mais que a inflação. O problema é que 94% do gasto da União é considerado obrigatório e, portanto, com crescimento real acima de zero protegido por leis (até pela Constituição), de forma que os investimentos em infraestrutura, praticamente os únicos itens discricionários de peso, há muito em queda, tenderiam a zerar bem antes disso. É possível um estado como São Paulo, o de maior dimensão num país que tem um forte viés ante privado, e que também aderiu ao teto, viver com investimento zero, quando este alcançava em 2010 a bagatela de R$ 30 bilhões, a preços de 2019?
Além do teto, a zeragem dos investimentos decorre também de outro grave problema que vem ocorrendo desde o início da última década, e que muitos não notaram, que é a explosão dos déficits dos regimes próprios de Previdência, em todas as esferas e especialmente nos estados, cuja grande maioria, além do mais, aderiu ao teto. Só para dar uma ideia, o déficit previdenciário do maior estado da federação, São Paulo, que era de R$ 6,8 bilhões em 2008, a preços de 2019, pulou para R$ 22,1 bilhões em 2019 e irá para não menos que R$ 33,4 bilhões em 2026, crescendo em média 6% acima da inflação. É mole?
Ou seja, para obedecer ao teto, os governos acabariam tendo de parar de pagar os aposentados e pensionistas. Conseguem imaginar isso? Como muita ideia simples, o teto é, assim, algo que já nasceu morto. E o pior é que seus maiores defensores, junto com os mercados financeiros, todos os dias na mídia, nem sequer esboçam uma solução que permita conviver com ele.
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Outro problema que azucrina os “teteiros” (ou defensores do teto, onde obviamente não me incluo) foi o louvável estabelecimento de uma renda emergencial ante a pandemia, que despertou o velho desejo de ampliar o alcance dos benefícios assistenciais existentes para grupos que antes não se enxergavam direito, para muitos aceitável apenas no contexto da crise sanitária. Nesse caso, a proposta que se faz para não pressionar o teto é remanejar – até eliminando – programas, mas mantendo o gasto assistencial total intacto com outro conteúdo, supostamente mais eficiente. Difícil progredir nessa linha, pois a cúpula do governo já disse que não proporá o remanejamento, mesmo em favor dos mais pobres, à custa de qualquer segmento incluído nos programas atuais.
Assim, a solução terá de envolver duas partes básicas e simultâneas. A primeira pode-se chamar de equacionamento dos passivos financeiros e atuariais dos RPPS, para abrir espaço orçamentário capaz de acomodar maiores gastos em outros segmentos, investimento ou não. A segunda é um novo programa de investimentos públicos que não transite pelo orçamento público e, portanto, não interfira com o teto.
Para ilustrar o tamanho do problema, divulgo mais números que acabo de levantar também para o maior estado da federação, São Paulo, que registrou um déficit previdenciário de R$ 22,1 bilhões e investiu apenas R$ 10,3 bilhões em 2019, em contraste com o que ocorrera apenas nove anos antes. A preços desse mesmo ano, havia registrado, em 2010, um déficit previdenciário bem menor (R$ 13,7 bilhões) e gastos de investimento três vezes maiores, ou seja, R$ 29 bilhões.
A pergunta que se deve fazer para todos os entes da Federação é a seguinte: em quantos anos os investimentos serão zerados, com base nas projeções oficiais existentes dos déficits previdenciários anuais?. No caso de São Paulo, a resposta é em apenas 5 anos, se nada for feito. Nos demais, os investimentos já teriam zerado ou se situarão entre zero e um número próximo de 5. Dá para conviver com investimento zero?
A receita básica é o ente público aportar ativos para um fundo de previdência RPPS, caso a caso, e monetizá-los. Escrevi e disponibilizo um projeto de lei (peça a raulvelloso45@gmail.com) que contém dispositivos que redirecionam o Programa de Recuperação Fiscal dos estados em favor do ajuste previdenciário; ampliam e facilitam a monetização de ativos; viabilizam o pagamento de precatórios subnacionais para ampliar espaço financeiro; aumentam a rentabilidade das aplicações dos fundos previdenciários existentes.
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E como não adianta só ampliar o espaço financeiro, finalmente outros dispositivos criam um programa de investimento financiado com base na compensação de tributos pelos executores das obras, a exemplo de vários programas já adotados no Brasil e em outros países, onde o direito de compensação é passível de venda a terceiros, com a vantagem adicional de se eliminar a velha chaga das obras inacabadas, conforme vem alardeando o TCU, coberto de razões. (No Peru, o mecanismo se chamou Obras por impuestos, em 2008. Aqui, a Prefeitura de São Paulo, com um modelo parecido para investimentos na Zona Leste da capital e, em 2018, o governo de Minas fizeram algo nas mesmas linhas.)
Fonte: “Estado de Minas”, 22/9/2020
Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press 8/8/19