A reação dos governadores ao Plano Nacional de Segurança do governo Temer, pressionando para que uma verba federal seja bloqueada no Orçamento para a segurança pública, assim como é feito com a educação e saúde, mostra bem o impasse a que chegamos.
É em momentos como este que a crise financeira dos Estados e do país faz com que as questões de segurança se agudizem diante da realidade da falta de dinheiro para pagar os salários dos policiais, até providências mais comezinhas, como pagar a gasolina dos carros de policia.
Mais uma despesa carimbada, em tempos de teto de gastos, parece uma solução inadequada, mas alguma solução terá que ser encontrada. Já há quem fale novamente em criação de uma nova CPMF, agora para financiar a segurança pública, mas esse não é um assunto que mobilize a opinião pública e, por conseguinte, os políticos que, como bem lembrou o ministro da Defesa Raul Jungman, só se mobilizam quando a sociedade exige.
Mesmo chocada com a barbárie que todos os dias nos é servida nos noticiários, a sociedade não parece dar prioridade à melhoria das penitenciárias, nem se comove com a briga de facções criminosas. Enquanto não ligar os pontos e entender que um sistema penitenciário que não seja uma escola de crime é parte importante no combate ao crime organizado, não teremos solução para a questão.
Pela atualidade, vale a pena reler um despacho de meses atrás do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luis Roberto Barroso, sobre as condições de nosso sistema penal, no qual ele destaca as falhas de suas diversas etapas. Para o ministro, os problemas do sistema têm se concentrado no que chama de “porta de entrada –a Polícia– e na porta de saída – o Sistema de Execução Penal.”
“A Polícia, sobretudo nos Estados, é frequentemente mal remunerada, mal treinada e mal equipada. Sem condições de atuação baseada em técnica e inteligência, não é incomum que seja violenta. O número de homicídios no país é um dos mais altos do mundo –55 mil por ano– e o índice de elucidação é bastante baixo, de 5 a 8% dos casos.”
Não é de hoje que o sistema penitenciário brasileiro está em xeque, mas só quando explodem os conflitos latentes, especialmente depois que as facções criminosas passaram a dominar os territórios prisionais, é que se dá dimensão ao problema recorrente.
Não foi à toa que o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo disse que preferia morrer a ficar preso em nossas cadeias. Detendo-se no sistema penitenciário, o ministro Barroso enumera diversas metáforas para nossas prisões: “Masmorras medievais, casas de horrores, depósitos de gente”, com presos expostos a condições “degradantes e violadoras da dignidade humana”.
Com relação ao sistema de execução penal, Barroso cita “circunstâncias brasileiras” como as limitações orçamentárias, a existência de centenas de milhares de mandados de prisão à espera de cumprimento, a sistemática de progressão de regime de cumprimento da pena e a possibilidade de concessão de livramento condicional ajudam a que o sistema de execução “pareça menos severo do que o de outros países”. E também a liberalidade da legislação, que permite o abrandamento das penas, faz com que a sociedade “experimente um sentimento de impunidade e até mesmo uma certa descrença nas instituições públicas.”
A certa altura de seu despacho, o ministro Barroso chama a atenção para uma escolha que é a com que a sociedade se defronta hoje: “A sociedade brasileira deverá estar ciente de que o aumento da efetividade e da eficiência do sistema punitivo exige o aporte de recursos financeiros substanciais. Isso porque será necessário um conjunto de providências, que vão do aprimoramento da atuação policial a investimentos vultosos no sistema penitenciário. Embora estas sejam pautas institucionais importantes, é preciso explicitar que em momento de escassez geral de verbas, os valores que forem para o sistema punitivo deixarão de ir para outras áreas mais vistosas e populares, desde a educação até obras públicas.”
Apesar de uma “intensa demanda na sociedade por um endurecimento do direito penal.”, Barroso acha que essa não é a saída: “multiplicar as tipificações ou exacerbar as penas” não é o caminho, escreveu no despacho: “O direito penal, em uma sociedade como a brasileira, por motivos diversos, deve ser moderado. Porém, deve ser sério na sua interpretação, aplicação e execução de penas.”
Fonte: O Globo, 19/01/2017.
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