Para além dos determinantes estruturais, há fatores contingentes que exacerbam e prolongam a nossa longa agonia política. Duas questões contrafactuais iluminam a interrelação entre estrutura e conjuntura.
A crise foi deflagrada pela conjunção de um megaescândalo de corrupção e do colapso espetacular da economia. O resultado foi um choque no equilíbrio político, levando ao impeachment.
A exposição e a punição inéditas de ilícitos foram o desdobramento da delegação de vastos poderes às instituições de controle e ao fortalecimento institucional que se seguiu. Nada surpreende em termos do desenlace de uma crise de grandes proporções.
Qual seria o estado de coisas se o governo Dilma tivesse sobrevivido? Provavelmente as consequências seriam imprevisíveis pela exacerbação brutal do conflito político que resultaria. A agonia atual teria dado lugar a um padrão ainda mais conflituoso e tempestuoso.
A segunda questão contrafactual é o que teria ocorrido se o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) tivesse anulado o pleito de 2014, como seria razoável esperar dado o “excesso de provas”.
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Teriam sido realizadas eleições diretas —se o processo tivesse se encerrado antes de 30 de dezembro de 2016— ou indiretas após esta data. E o governo Temer teria sido radicalmente encurtado.
Esse evento discreto teve assim vastas consequências. Houve falha das instituições?
Do ponto de vista puramente procedimental, ocorreu uma contingência que não poderia ter sido antecipada durante a elaboração das regras: o presidente-réu pôde escolher dois dos seus juízes no TSE, cerca de dois meses antes do julgamento do caso, em junho.
Estas escolhas foram determinantes para o resultado que prevaleceu, mas não houve nenhuma violação de regras neste episódio que garantiu a continuidade do governo Temer. Idem para a manipulação da agenda de trabalhos pelo presidente do TSE, que se prolongou.
A lua de mel presidencial que se seguiu a sua investidura no cargo ocorreu em “ilha tropical sujeita a tsunamis”.
E eles vieram e não foram inesperados: o primeiro ocorreu oito meses após a votação do impeachment no Senado no episódio da gravação de Joesley Batista, revelado em 17 de maio de 2017, semanas antes do julgamento do TSE. O segundo foi o pedido de abertura de investigação pela PGR, negado pela Câmara.
As instituições falharam neste caso, mas também corrigiram o erro: estão em curso medidas punitivas para os delitos e desvios ocorridos na PGR.
A denegação do pedido, malgrado os custos políticos e fiscais, estava dentro das regras do jogo congressual. Ela não garante impunidade, mas prolongou a agonia. E esta é solo fértil para populismos.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 23/07/2018