Copa do Mundo sai muito caro para o país organizador. A maior parte do dinheiro sai do governo, ou seja, do bolso do contribuinte. Por isso mesmo, a decisão de pleitear a sede da Copa é política e vai além dos órgãos esportivos.
Que vai muito dinheiro público para a Copa de 2014 no Brasil — estamos verificando a cada dia. Também constatamos que foi praticamente inexistente o debate sobre a disposição de realizar (ou não) os jogos. O então presidente Lula carregou a candidatura brasileira como um esforço e, depois, uma conquista pessoal, sem enfrentar resistências. Quem podia ser contra a chance de recuperar o título numa final no Maracanã? Logo, hoje, não se pode reclamar dos custos cada vez mais elevados, não é mesmo? Verdade que algumas autoridades haviam garantido que não haveria doação de dinheiro público para os estádios da Copa. Mas essa tese não resistiria a dois minutos de conversa. Havia o precedente do Pan e, além do mais, autoridades sempre recorrem a um sofisma. Dizem que conceder financiamentos, empréstimos especiais e isenções de impostos não é doar dinheiro, mas fazer investimentos que resultarão em benefícios sociais e fiscais mais à frente.
Essa tese faz sentido. Com ou sem Copa, o país precisa de aeroportos maiores e melhores. A Copa faz dessa necessidade uma urgência. Depois dos jogos, permanecem os equipamentos urbanos à disposição do público. O tal legado.Cabe discussão. Um superaeroporto na cidade de Natal será uma adequada prioridade de gasto público? Um estádio na Zona Leste da cidade de São Paulo, o do Corinthians, é a melhor maneira de desenvolver aquela região? Ou seja, é possível que, por causa da Copa ou a pretexto dela, obras desnecessárias no momento tornem-se prioritárias e urgentes. São aquelas que se transformam em elefantes brancos.Tudo considerado, a verdadeira questão não é saber se e quanto dinheiro público vai para a Copa, mas se a coisa toda está sendo bem ou mal feita. Isso pode e deve ser discutido.
Estamos atrasados, é verdade. Mas vale a pena mesmo, ainda que seja como aprendizado. Não se pode esquecer que ainda temos as Olimpíadas pela frente. Por exemplo, está em tempo de reduzir o número de cidades que receberão jogos. Aquelas que estão muito atrasadas na preparação poderiam simplesmente ser eliminadas. É muito mais econômico concentrar mais jogos em menos estádios. E fazer menos arenas, claro.
A reforma do Maracanã, para ser no mínimo o palco da finalíssima, é muito cara, mas passou assim como absolutamente natural. Caberia um debate sobre o que se poderia fazer com o dinheiro da reforma? Quantas UPPs, por exemplo? E a própria reforma? Não seria mais barato um estádio novo em algum outro lugar ou no lugar do atual? Mas não. Parece que há um consenso nacional: vamos ganhar a Copa no mesmo Maracanã, reformado mas o mesmo de 1950. Se acontecer isso mesmo, será o modo mais caro do mundo de lavar a alma. Se perder…. Em São Paulo, o prefeito Gilberto Kassab e o governador Geraldo Alckmin sustentam que a capital paulista não pode ficar sem a abertura da Copa e que isso exige investimentos públicos. Ora, por que não pode? Qual o prejuízo para os paulistanos? Orgulho ferido se a abertura (o jogo da Espanha, atual campeã, contra um time menor) fosse em Belo Horizonte? O outro argumento diz que a realização da abertura traz negócios para a cidade. Mas a que custo?
Tal como está montada a engenharia financeira até o momento, o estádio do Corinthians, para ser também o da abertura, tem dinheiro dos três níveis de governo. O federal, via BNDES, vai emprestar R$ 400 milhões, a juros subsidiados. A prefeitura oferece R$ 420 milhões em incentivos. O prefeito dizia que era apenas isenção para o estádio. Mas não será simples assim. A prefeitura emitirá Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento para o Fundo de Investimento Imobiliário responsável pela construção da arena. O Fundo poderá vender esses certificados para empresas que tenham IPTU e ISS a pagar. Assim, contribuintes que pagariam em dinheiro para a prefeitura vão entregar Certificados comprados do Fundo. A prefeitura deixa de receber os R$ 420 milhões, dinheiro que fica como financiamento para o Fundo aplicar no estádio. E, finalmente, o governo paulista vai colocar algo entre R$ 60 milhões e R$ 70 milhões para instalar na arena corintiana 20 mil lugares provisórios e assim chegar aos 68 mil necessários para um “estádio de abertura de Copa”. Como dizem diretores do Corinthians: o timão precisa de um estádio de 48 mil lugares; se a prefeitura e o governo estadual querem a abertura, têm de pagar por isso.
É mais um dinheiro do contribuinte. Haverá muito mais país afora. E tudo na conta do “agora não tem mais jeito”. Não queriam ganhar a Copa aqui? E o pior de tudo é que o mais importante, a seleção, não vai lá das pernas. Sempre com dinheiro público, há Copas e Olimpíadas benfeitas e outras que deixam um rastro de desperdício.
Ainda daria para salvar as Olimpíadas?
Fonte: O Globo, 21/07/2011
É um bálsamo ler o Sardenberg!