Após um ano de vigência da reforma da Previdência, o governo projeta um impacto fiscal maior do que os R$ 9,9 bilhões esperados inicialmente. Essa economia, no entanto, está sendo totalmente mascarada pelo tombo da arrecadação provocado pela pandemia de covid-19. Resultado: mesmo com a reforma, o déficit do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) continuará crescendo e deve bater o novo recorde de R$ 274,3 bilhões no fim do ano. Nos regimes dos servidores públicos civis e pensões militares, por enquanto, há uma ligeira melhora ante 2019.
“Não dá, com segurança, para dizer em quanto, mas o ganho [com a reforma] será maior que R$ 9,9 bilhões”, disse o secretário de Previdência do Ministério da Economia, Narlon Gutierre Nogueira, ao Valor. Esse impacto nas contas considera o RGPS, o RPPS e o aumento na receita decorrente da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL).
Ele reforçou que a evolução das despesas com o pagamento de benefícios do RGPS neste ano tem se mostrado inferior à projeção constante da Lei Orçamentária Anual (LOA) 2020, o que indica que neste primeiro momento os ganhos fiscais com a aprovação da reforma foram superiores aos projetados. A LOA previa uma a despesa com benefícios de R$ 677,7 bilhões e esse valor caiu para R$ 672,7 bilhões.
“Considerando os fatores de incerteza deste ano, relacionados à pandemia e ao fluxo de análise dos benefícios pelo INSS, é recomendável uma avaliação por prazo mais longo para se determinar exatamente quanto desse resultado decorre diretamente da aprovação das medidas [da reforma].”
O secretário explicou que o impacto das mudanças nas regras de concessão de aposentadoria e pensão seria mais de longo prazo. Em dez anos, a economia foi estimada em R$ 800 bilhões, valor que foi consumido pelo aumento de gasto do governo com medidas que visavam minimizar os efeitos da pandemia neste ano.
“Não temos condições ainda de rever projeções feitas no ano passado. O que a gente tinha observado do lado da despesa é que ela tem evoluído de maneira um pouco mais satisfatória do que tínhamos projetado. É um ano muito incomum”, disse Gutierre.
Segundo ele, o aumento da taxa de desemprego e o diferimento da contribuição (esse com impacto mais temporário) contribuíram para uma piora das receitas, mas o cenário pode ser revertido com a retomada da economia que já está ocorrendo.
A redução de despesas devido à reforma no primeiro ano será insuficiente para impedir que o déficit do RGPS atinja R$ 274,3 bilhões no fim deste ano. Segundo o secretário, em relação a 2019, a despesa com benefícios do RGPS está subindo, e as receitas, devido à pandemia, caindo consideravelmente.
Para o especialista em Previdência Luis Eduardo Afonso, professor associado da Faculdade de Economia e Administração da USP (FEA/USP), o déficit do RGPS também está sendo impactado pela demora da incorporação das novas regras nos sistemas e com a pandemia a “bagunça” ficou ainda maior. “Mas sem reforma, o cenário seria muito pior.”
Ele cita que ainda não é possível verificar uma queda no valor médio do benefício concedido na comparação entre setembro deste ano e setembro de 2019.
Se por um lado o déficit do RGPS piora, o governo vê ganhos mais fortes da reforma no regime de previdência dos servidores públicos civis e pensões de militares, o que está diretamente relacionado à cobrança de alíquotas diferenciadas. No regime próprio dos civis, a arrecadação saltou de R$ 23,2 bilhões para R$ 26,9 bilhões entre janeiro e setembro de 2019 e igual período deste ano. A expectativa era que no ano a arrecadação com essa alíquota fosse de R$ 3,5 bilhões.
No caso dos militares, a cobrança de contribuição das pensionistas fez com que a arrecadação desse sistema passasse de R$ 1,8 bilhão para R$ 4,6 bilhões na mesma base de comparação. No acumulado do ano até setembro, o déficit da previdência de servidores públicos e pensões de militares foi de R$ 69,96 bilhões, queda de 4,88% ante igual período de 2019 (R$ 73,55 bilhões).
A avaliação dentro e fora do governo é de que a reforma deu sustentabilidade no longo prazo para a trajetória explosiva das despesas previdenciárias, mesmo com a ocorrência de déficit. Além disso, ela teve papel relevante ao incentivar vários Estados a fazer ajustes em seus regimes previdenciários. Considerando os 26 Estados e o Distrito Federal, 17 já aprovaram reformas.
“Ganhou fôlego bastante significativo para dez a 15 anos. Acredito que em 2030, no mais tardar, o tema venha a ser revisado”, frisou Gutierre, acrescentando que seria interessante ter um mecanismo de ajuste automático da idade mínima assim como para se introduzir o regime de capitalização no país.
Fonte: “Valor Econômico”, 16/11/2020
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