A economia brasileira aponta para mais um ano com crescimento sofrível, em torno de 1%. Alguns economistas já falam em recessão. Em quatro meses, o governo Jair Bolsonaro foi incapaz de transmitir a sensação de que mudará o quadro de estagnação que amaldiçoa o país.
Deposita-se uma esperança irreal na reforma da Previdência, como se ela pudesse ter o condão de resgatar a confiança perdida. Ao mesmo tempo, a indústria encolhe, serviços e comércio recuam, consumidores continuam sem dinheiro para gastar, o desemprego não cede. A origem da crise de confiança é evidente: não há, na sociedade, consenso a respeito do melhor caminho a seguir.
O Estado está à beira de mergulhar no abismo fiscal. Se não obtiver a aprovação no Congresso para tomar US$ 249 bilhões emprestados, o governo será obrigado a escolher entre interrromper pagamento de compromissos (como salários, pensões, aposentadorias e benefícios assistenciais) ou incorrer em crime de responsabilidade (o mesmo que levou ao impeachment de Dilma Rousseff).
Sem base estável nem competência para articulação política, Bolsonaro se tornou refém de um Congresso fragmentado entre as diferentes visões da sociedade. O embate em torno da reforma da Previdência traduz divergências mais profundas sobre o papel do Estado na economia e disputas entre grupos de interesse pelos recursos escassos nas mãos do poder público.
Sem gerar mais riqueza, sem crescer, não haverá como atender as demandas sociais. Sem que haja um consenso mínimo a respeito do caminho a seguir, será impossível crescer e gerar mais riqueza. Eis o dilema circular, a armadilha de que o país não consegue se livrar.
Trata-se de uma questão de natureza política, não econômica. As respostas deveriam, portanto, vir da política. Não vêm por motivos óbvios, que nos recusamos a enfrentar como adultos. Preferimos acreditar em promessas ocas e fantasias ideológicas a encarar a realidade cruel das nossas limitações.
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Acreditamos que a solução para questões políticas poderia vir de fora da política. Que bastaria combater a corrupção, prender todos os políticos ou tirar os canalhas dos tribunais superiores. Que destruir partidos e abalar instituições nos aproximaria do ideal idílico, onírico, sem carências nem escassez. Pura balela.
Nada que é humano pode ser perfeito. A história mostra que a fé cega só leva à destruição. É para ela que caminhamos atônitos, qual bando de lemmings prestes a saltar no vazio desconhecido. Ninguém em Brasília tem a capacidade de liderança necessária para nos despertar.
Olhamos para os lados e não acreditamos que poderemos repetir as tragédias da Argentina ou da Venezuela. Imaginamos um Brasil maior, mais complexo, com uma inércia que o torna imune a certos desvarios.
Será?
Há momentos na história em que só a dor ensina. A dor virá inevitavelmente no momento em que a reforma da Previdência for aprovada e se revelar insuficiente para nos tirar da beira do abismo. É uma impossibilidade aritmética. Precisamos de um ajuste fiscal da ordem de cinco pontos percentuais do PIB. Mesmo a versão mais dura da reforma – com R$ 1,2 trilhão de economias em dez anos – não entrega mais que um ou dois, ainda assim depois dos dois ou três primeiros anos. De onde virá o resto?
A fé cega dá a entender que os investimentos retornarão, despertados pela confiança adquirida com a aprovação. Que o crescimento agirá como mágica e aumentará a arrecadação, reduzindo a dependência da economia de gastos para fechar as contas. Acredite se puder.
Ao longo da nossa história, esse tipo de situação tem sido resolvida por meio do descontrole inflacionário, do autoritarismo demagógico e da violência antidemocrática. Por que haveria de ser diferente desta vez?
Fonte: “G1”