Garantir maior eficiência nos serviços públicos, atendendo a uma demanda antiga da sociedade: este deverá ser o maior legado do projeto de reforma administrativa que, aos poucos, começa a entrar em debate. A medida é uma das ações da agenda de reformas do Estado brasileiro. O governo federal está definindo os detalhes da proposta, que deverá ser encaminhada ao Congresso Nacional neste semestre.
O projeto ainda está sendo formatado, mas já há algumas sinalizações do que deve ser enviado pelo Ministério da Economia ao Parlamento. Entre os principais pontos, estão alterações nas regras de estabilidade, que podem ser condicionadas à meritocracia para quem ingressar no serviço público após a reforma; a possibilidade de avaliação dos servidores pelo desempenho; e mudanças nas regras de progressão, aproximando a remuneração inicial do funcionário público federal ao trabalhador do setor privado. Em entrevista ao Instituto Millenium, a Doutora em Economia, Ana Carla Abrão, falou sobre a expectativa com o projeto. Ouça!
Na avaliação da economista, é muito positivo que o debate esteja colocado na agenda da sociedade e do Legislativo. Ana Carla Abrão destacou que a última reforma administrativa foi estruturada em 1995 e aprovada em 1998. Desde então, houve profundas transformações nas relações de trabalho no Brasil e no mundo; no entanto, o setor público não acompanhou essas mudanças.
Ana Carla Abrão considera positiva a proposta do governo. Ela acredita que é preciso ampliar o debate para que as regras possam valer para todos os servidores federais. “Embora a nossa força de trabalho no setor público tenha um grande contingente de pessoas que vão se aposentar no médio prazo, ainda assim a gente tem de lidar com ela ao longo dos próximos 20 anos. É o modelo atual que está em vigor e tem disfunções e problemas que precisam ser atacados”, disse.
Melhores condições para o servidor
A reforma administrativa também tem benefícios para os servidores: com regras mais compatíveis com a realidade atual do mercado de trabalho, será possível investir no funcionalismo, oferecendo melhores condições de trabalho, valorização e capacitação. “Isso tudo foi se perdendo ao longo do tempo. Hoje, o bom servidor público ganha o mesmo que aquele que não desempenha as suas funções de forma adequada. É preciso haver essa diferenciação”, disse.
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Ana Carla Abrão lembrou, também, de uma realidade vivida em diversas unidades da federação: os gastos com pessoal cresceram tanto nos últimos anos, de forma tão desorganizada, que até o pagamento em dia dos salários está ameaçado.
Consequências da reforma
A especialista aponta três motivações principais para realizar uma reforma administrativa. Além da melhoria nos serviços públicos, há também um aumento na produtividade da máquina e da economia brasileira como um todo. Outro ponto é a questão fiscal. Segundo Ana Carla, estados e municípios têm hoje um comprometimento das suas receitas com despesas de pessoal absolutamente insustentável. Alguns casos chegam a margem de 70% a 80% da receita, de acordo com a economista:
“Além de tudo isso, a trajetória dessa conta é de crescimento graças ao modelo atual, com promoções e progressões automáticas, necessidade de concurso de forma contínua, gratificações incorporadas automaticamente aos salários… Isso faz com que as despesas sejam crescentes, independentemente da inflação e do resultado entregue à sociedade”.
Blindagem está nas leis de carreira
Um mecanismo que deveria proteger o funcionalismo de ingerências políticas, mas que se tornou uma blindagem absoluta: é assim que a Doutora em Economia define a questão da estabilidade. “Essa blindagem não está no conceito de estabilidade nem na Constituição, mas nas leis de carreira, que são todas infraconstitucionais, e no processo do dia a dia. Ou seja: quando a gente fala que todos os servidores são avaliados com nota 100, embora saibamos que nem todo mundo é nota 100, isso é um problema de gestão, que precisa ser atacado”, disse.
De acordo com Ana Carla Abrão, esse cenário traz um aumento vegetativo na folha de pagamento; evita avaliação de desempenho no setor público; além da falta de incentivos, fazendo com que o servidor alcance o topo da carreira muito rapidamente. “Isso transformou a estabilidade constitucional em uma proteção do servidor contra tudo e contra todos, porque ele vai progredir independente do resto da sociedade e do país, e muitas vezes será protegido até em situações de falta grave, e isso não é aceitável do ponto de vista moral”, afirmou, defendendo maior racionalidade nas regras.