“Vivemos em um sistema extremamente caótico”, reforça o Doutor em administração, Nelson Barrizzelli, sobre as atuais regras tributárias brasileiras. Vencida a etapa de aprovação da reforma da Previdência, o Congresso Nacional tem pela frente um novo e igualmente importante desafio: mudar o sistema tributário do país. O economista Clóvis Panzarini reforça que a complexidade do atual modelo cria um ambiente extremamente tóxico para os negócios no Brasil. A pedido do Instituto Millenium, os especialistas analisaram as principais propostas discutidas e apontaram caminhos viáveis para ajudar a solucionar este problema latente da nossa sociedade. Confira!
Por que reformar?
“Já passou da hora de debatermos e de implementarmos uma reforma tributária no nosso país”, reforça Clóvis. Ele cita que a complexidade do atual modelo prejudica as empresas brasileiras, criando graves distorções. “É tão complexo que, muitas vezes, aquilo que o contribuinte gasta para controlar o imposto, como advogados, contadores e consultores, é maior do que o próprio valor daquele recolhimento. Esse ambiente acaba espantando investidor, comprometendo a trajetória de crescimento da economia e, portanto, a renda e o próprio emprego. Quem paga essa conta são os desempregados, que hoje somam 13 milhões de pessoas no Brasil”.
Segundo Nelson, são cerca de 75 a 90 tributos e taxas cobrados no Brasil, além de renúncias fiscais que privilegiam exclusivamente alguns segmentos da sociedade. “Atualmente, temos um problema de guerra fiscal que impacta cerca de R$ 84 bilhões em impostos estaduais, além de um contencioso fiscal enorme por causa da burocracia. As empresas se sentem prejudicadas e vão para a justiça, levando anos nesta discussão”. Além de tudo isso, ele acrescenta que, dentro da regressividade do atual modelo, com taxas que se perdem nas cadeias produtivas, pessoas que ganham um salário mínimo ou 100 salários mínimos pagam o mesmo montante de impostos ao comprar bens e serviços.
Proposta da Câmara
Há, pelo menos, cinco propostas discutidas atualmente no Brasil. O projeto da Câmara dos Deputados, já aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), prevê a substituição de cinco tributos por apenas um, chamado de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Ele englobaria o PIS, Cofins, IPI, ICMS (estadual) e ISS (municipal). Para Nelson, um ponto positivo seria a simplificação e, portanto, um custo menor para ser declarado. “Mas há alguns aspectos negativos, como o fato de que os governos estaduais e prefeitos não vão poder mexer nas alíquotas para atrair investimentos, ou seja, os estados mais ricos terão maior concentração de produção. O projeto faz com que a União seja muito mais centralizadora, uma transferidora de recursos para estados e municípios, como se dá hoje”, opina.
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Para Clóvis, a medida é boa do ponto de vista conceitual, mas peca se olharmos seu lado político. “Não vejo chance dela prosseguir da forma como foi desenhada no modelo original. Ela provoca uma imensa redistribuição de receita, uma grande modificação de preços relativos e uma série de conflitos setoriais e regionais, até entre entes federativos”.
Proposta do governo
A proposta do governo ainda não foi formalizada, mas informações preliminares caminham para a criação de um imposto tipo IVA (Imposto sobre Valor Agregado) para substituir os tributos federais. Para Clóvis, seria um passo na direção da simplificação, mas não resolveria a complexidade do ICMS, de âmbito estadual. “Ele é absolutamente caótico, disfuncional, promove uma guerra fiscal, e é um ‘inferno’ para que o contribuinte o administre”.
Nelson salienta que há hoje, no Senado Federal, uma discussão semelhante, que busca transformar nove tributos em apenas um. “Ele tem como adicional o fato de que esse IVA iria conter aquilo que chamamos de ‘INSS patronal’, pago quando as empresas registram seus funcionários. A proposta iria zerar essa alíquota na folha de pagamentos. Além disso, prevê que a cobrança do imposto seja retida em cada transação de compra e venda através de transações eletrônicas, acabando com a burocracia declaratória”. O especialista cita outros pontos positivos, como o fim dos impostos sobre máquinas e equipamentos e da Contribuição Social sobre Lucro; a manutenção do Imposto de Renda progressivo; além da criação de um fundo de equalização de receitas per capta para estados e municípios mais pobres.
Imposto sobre movimentação financeira
A proposta de substituir todos os tributos por um Imposto Único que incidiria sobre qualquer movimentação financeira é amplamente criticada pelos especialistas. “É completamente inviável, por uma razão muito simples: ele recairia em cascata em cada movimentação bancária. Cada vez que alguém movimenta recursos em bancos, vai sempre pagar 2,5 %. Isso afeta todas as cadeias produtivas, seja de bens ou serviços, que têm um número muito grande de elos”, acredita Nelson, salientando que haveria impactos negativos nos preços finais, prejudicando não só o mercado interno, mas também as exportações.
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Clóvis acrescenta, ainda, que a conta bancária se tornaria uma moeda “mal vista”, fazendo com que as pessoas passassem a usar dinheiro vivo, dólar ou até criptomoeda. “Ao invés de pagar a mesada do seu filho, você vai dar dinheiro vivo para ele, portanto, é mais fácil de ser sonegado. Uma das qualidades fundamentais de qualquer sistema é a transparência. O cidadão deve saber o quanto paga de imposto, e o custo do setor público para ele. Os defensores dessa proposta querem esconder o valor do imposto no escurinho da transação financeira”, acrescenta.
Para onde ir?
Para Clóvis, um passo positivo seria que a União começasse a reforma focando nos impostos federais, evitando conflitos de competência. No entanto, é imprescindível que os estados busquem alterar as atuais condições do ICMS. Na opinião de Nelson, é essencial buscar um modelo que seja o mais simples possível. Ele destaca, no entanto, que uma questão importante para mudar a realidade do país ainda não está sendo discutida:
“Teríamos que ter uma reforma do Estado brasileiro para fazer com que o percentual de impostos sobre o PIB se tornasse menor. O tamanho da carga tributária no Brasil não está em discussão. Se a sociedade não se organizar para fiscalizar isso, daqui a pouco vamos chegar a 40% do PIB”.