O documentário Democracia em Vertigem tem entranhas. Com voz melancólica, a narração de Petra Costa aflora uma esperança ingênua da diretora em um País melhor, com o PT, seguida de grande decepção e visão de um “futuro sombrio”.
Há muito de pessoal no documentário, pois carrega a dor de seus pais perseguidos no regime militar, filhos da elite empresarial, cuja empresa cresceu naquele período e foi condenada nos escândalos de corrupção. O projeto da direita precisou sacrificar membros da elite por meio da Lava Jato para extirpar o PT, segundo relato de sua mãe.
O documentário expõe a dor de muitos, e precisa ser reconhecida, assim como a dor dos seus opositores, por razões diferentes. Ser indicado ao Oscar premia sua qualidade técnica. Há muitos méritos, portanto.
O documentário, porém, é parcial em demasia, incorporando a tal narrativa da esquerda. É o lamento de um segmento da sociedade; não um documentário, de fato, comprometido em traçar um retrato mais fiel da nossa história recente.
Atribui a Lula o dom de “salvador da pátria”. Depois, vem a decepção com as alianças políticas, algumas inevitáveis diante da dificuldade de governar um país tão complexo. Já Dilma, foco de admiração, agiu na “contramão da conciliação lulista”.
Os problemas econômicos no governo Dilma são tratados de forma ligeira e, nem de longe, se dá uma noção dos muitos equívocos na política econômica. O documentário se esquiva dos excessos cometidos e dos manuais rasgados na gestão das contas públicas, especialmente em 2014 visando à reeleição. Foi implementada uma agenda, dita de esquerda, mas que prejudicou os mais pobres. A piora dos indicadores sociais dos últimos anos foi plantada em seu governo.
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O desprezo pela disciplina fiscal prejudicou também a chamada nova classe média, pela inflação teimosa e pela necessidade de aumentar os juros, afetando o emprego. Bem intencionada ou não, Dilma protegeu e beneficiou grupos de interesse, como o funcionalismo e segmentos do setor produtivo; justamente a elite. A fatura ficou para a sociedade.
As políticas públicas de transferir recursos a parcela do setor privado e o protecionismo alimentaram, de quebra, a corrupção.
Para Petra, os protestos de 2013 decorreram de uma insatisfação que vinha de longe, na linha do “gigante acordou”, sendo apenas necessário um gatilho. Na “onda da primavera árabe”, os culpados seriam a repressão policial nas primeiras manifestações e a ação da mídia e das redes sociais. Ela não reconhece a responsabilidade do governo. Naquele momento, a inflação incomodava e a indústria estava estagnada, ambos contrariando as promessas feitas.
De fato, os protestos recrudesceram o quadro político, mas foram consequência, e não causa, da crise de governabilidade. Como muitos políticos, Petra não compreendeu aquele momento do País.
Ao abordar o impeachment, fala-se mais de oportunistas e redes sociais do que de economia, que era o cerne da questão. A decisão foi política, mas refletiu a pressão das ruas. Vale destacar que desrespeitar regras fiscais e camuflar os excessos com truques contábeis não só gera crise, como também ameaça a democracia.
O impeachment alimentou a polarização política, mas ele parecia inevitável diante de tamanha crise econômica, bem como da incapacidade do governo de consertar o estrago produzido. Difícil acreditar que Lula na Casa Civil, com credibilidade abalada, conseguiria reverter o quadro. Culpar o ciclo de preços de commodities, protestos e Lava Jato, e minimizar os erros do governo na economia é diversionismo ou desconhecimento.
Em 2014 já havia razões para Dilma não ser diplomada presidente da República. Instituições de controle e lideranças políticas, inclusive do PT, identificavam as “pedaladas” e outras impropriedades administrativas.
Dilma terminar o mandato teria ajudado a unir o País, mas a um custo social elevado. Unidos, mas por um desastre econômico ainda maior.
Faltou o documentário discutir o principal: a economia em vertigem.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 13/2/2020