Indivíduos são movidos a incentivos. Criminosos não são diferentes. Um criminoso, antes de cometer um crime, compara os custos e os benefícios resultantes da sua ação. É o que afirmou o economista Gary Becker, ganhador do prêmio Nobel de economia em 1992. Becker fez essa afirmação em um artigo no Jornal de Economia Política intitulado Crime e Punição: Uma Abordagem Econômica.
O artigo foi publicado em 1968. Estamos em 2022, mas a maioria da mídia brasileira e dos “especialistas” em segurança pública desconhecem o trabalho de Becker e inúmeros outros estudos que confirmam essa teoria.
No Brasil vigora ainda a ultrapassada e ideologicamente motivada visão de que a causa do crime é meramente a pobreza e a “falta de oportunidades” – uma “teoria” que não encontra sustentação diante da realidade.
Exceto no caso de crimes passionais ou crimes cometidos por razões de insanidade, os crimes, em geral, têm um componente econômico e um componente moral.
O componente econômico é aquele descrito por Gary Becker: uma análise intuitiva e inconsciente, por parte do criminoso, das vantagens que ele pode obter com o crime e dos riscos envolvidos. As vantagens não são necessariamente econômicas – elas podem significar a conquista de uma posição de poder ou a satisfação de algum impulso ou de desejo sexual por exemplo. O risco é a probabilidade de ser ferido, morto ou preso.
O componente moral é a decisão voluntária, a escolha feita pelo criminoso de cometer um crime. O psiquiatra forense americano Stanton Samenow diz que isso, em geral, vem de uma incapacidade do criminoso de sentir empatia pela vítima. Criminosos habituais têm uma deformidade moral que os leva a ignorar o sofrimento que provocam.
O componente moral do ato criminoso explica porque sempre haverá crimes; não importa o nível de riqueza e de civilização de uma sociedade, sempre existirão pessoas dispostas a obter riqueza, poder ou prazer às custas da destruição e do sofrimento de outros seres humanos.
Pode-se dizer que o componente econômico regula o crime no nível macro, o nível da sociedade, enquanto o componente moral regula o crime no nível do indivíduo. Cada sociedade tem um estoque de indivíduos dispostos a cometer crimes. Essa disposição para o crime já vem “de fábrica”. Entretanto, é a relação entre custos e benefícios, determinada pela sociedade, que vai determinar o percentual desses criminosos potenciais que efetivamente decidem cometer crimes.
Um dos fatores determinantes da relação custo-benefício dos crimes é a cultura, entendida como sistema de valores da sociedade ou de um de seus grupos. Barry Latzer, em seu livro A Ascenção e a Queda do Crime Violento na América, descreve como as taxas de criminalidade variavam entre os diversos grupos de imigrantes que chegavam aos Estados Unidos no mesmo estado de pobreza.
Latzer diz que a propensão para a violência de várias subculturas, sejam elas étnicas, raciais, religiosas ou regionais, parece ser o fator responsável, no longo prazo, por altas taxas de crimes violentos. Grupos culturais que imigraram para os Estados Unidos tiveram perfis bastante variados em termos de crimes violentos. No século XIX, as taxas de criminalidade eram altas para irlandeses e chineses, mas baixas para imigrantes alemães e escandinavos. Judeus da Europa Oriental e italianos do sul, que chegaram mais ou menos na mesma época, entre 1900 e 1910, e se estabeleceram no mesmo lugar, a cidade de Nova York, tiveram taxas de violência muito diferentes. Da mesma forma, na década de 1920, os imigrantes mexicanos aumentaram as taxas de crimes violentos, o que não aconteceu com os japoneses.
Mas talvez o maior fator determinante da relação custo-benefício dos crimes é a “ameaça crível” oferecida pelo Estado – sua capacidade de impedir os criminosos de agir, e os custos que ele impõe aos criminosos através do sistema de justiça criminal, composto pelas polícias, pela legislação penal, pelo judiciário e pelas prisões.
Quando esse custo é baixo, mais criminosos potenciais decidem agir. Quando o custo aumenta, menos indivíduos se dispõem a correr o risco de cometer um crime.
Um caso exemplar das consequências da redução do custo do crime por parte do Estado é encontrado na Califórnia, onde o partido Democrata vem, nos últimos anos, aprovando iniciativas que suavizaram a legislação penal e reduziram a intensidade das ações policiais. Essas mudanças foram provocadas por dois fatores. O primeiro, descrito no início deste artigo, é a percepção equivocada da ligação entre crime e pobreza.
O outro fator é a exploração da agenda de conflito étnico por parte de grupos esquerdistas radicais, que levou à criação de movimentos como Black Lives Matter e Abolish The Police. Na Califórnia, cuja política é dominada pelo partido Democrata, essa agenda foi transformada em políticas públicas e legislação.
O melhor exemplo é o referendo aprovado pelos eleitores californianos em novembro de 2014, conhecido como Proposition 47. O referendo aprovou mais várias mudanças na legislação penal do estado da Califórnia. A principal mudança foi reclassificar de crimes para contravenções, com a consequente diminuição das penalidades associadas, ações criminais envolvendo valores menores do que 950 dólares.
Uma das ações criminais reclassificadas como contravenção foi o roubo em lojas. A partir da aprovação das alterações na legislação, ficou extremamente difícil processar penalmente alguém que roubou mercadorias em uma loja, cujo valor total é menor do que 950 dólares.
À aprovação da Proposition 47 se somaram várias outras medidas legais e ações do executivo, no sentido de limitar a ação policial e suavizar a legislação. O resultado foi um significativo aumento da atividade criminosa.
Em 2015, o Los Angeles Times informava que “agentes da lei culpam a Proposition 47 por permitir que infratores reincidentes… continuassem infringindo a lei com poucas consequências”. O então prefeito de Los Angeles, Eric Garcetti, também sugeriu que a lei explicava por que as taxas de criminalidade de sua cidade passaram de decrescentes para crescentes. Vandalismo se tornou comum nas lojas das grandes cidades como San Francisco e Los Angeles. Os assaltos à mão armada tornaram-se tão comuns no condado de Los Angeles que o xerife teve que aconselhar os moradores a evitar usar joias e dirigir carros de luxo.
A situação na Califórnia se tornou tão grave que, no início de junho de 2022, os moradores de San Francisco votaram para cassar o mandato do Procurador Geral da cidade, Chesa Boudin, um defensor agressivo da agenda de “reforma da justiça criminal” – um eufemismo para a agenda “progressista” de suavização da lei penal e dos ataques à polícia.
A Califórnia aprendeu, a um custo muito alto, que a única forma de garantir a segurança da sociedade é através de um sistema de justiça criminal que represente uma ameaça crível aos potenciais criminosos.
O Brasil começa, agora, a aprender a mesma lição.