A retração na atividade econômica no segundo trimestre, apontada pelo IBC-Br, indicador do Banco Central (BC) divulgado ontem (15/08/2014), sugere crescimento perto de zero ou até mesmo negativo no ano, mas 2014 não está dado, diz o economista Armando Castelar. Para o professor da UFRJ e coordenador de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), as eleições serão determinantes para a economia na segunda metade do ano.
“O grande efeito será sobre as expectativas”, afirma Castelar, em entrevista ao Estado, referindo-se aos rumos da política econômica a partir de 2015 e seu impacto sobre o setor privado. Até lá, segundo ele, será preciso “apertar os cintos”, pois é tempo de turbulências. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Estadão: A Copa do Mundo teve essa influência toda na queda do índice do Banco Central em junho?
Armando Castelar: A Copa é uma parte da história. Em maio, já tinha havido uma queda forte e não tinha nada a ver com Copa. A Copa pode ter influído, mas não teve essa importância toda. Vemos também uma restrição de crédito e queda na confiança.
Estadão: Anos eleitorais, em geral, não têm crescimento tão fraco. Por que neste ano foi diferente?
Castelar: Normalmente, são anos em que o governo gasta muito. Todos os governos, os estaduais também. O governo federal está gastando muito, tanto é que está duro de atingir a meta de superávit primário (saldo positivo entre receitas e despesas públicas, sem contar gastos com juros) que ele se propôs. Acontece que a confiança caiu muito, o investimento tem um desempenho muito fraco e a inflação está alta. Isso está comprometendo a confiança de todo mundo, consumidores e empresários. Do ponto de vista dos consumidores, existe a percepção que o mercado de trabalho não está mais tão positivo quanto antes. O crédito também está indo muito mal: de um lado, os bancos estão preocupados com a alta na inadimplência, e as famílias, que já estão endividadas e olhando a perspectiva do mercado de trabalho, seguram a demanda por empréstimos. A indústria sofre da falta de demanda e da mesma insegurança que vem de uma economia que está desacelerando. Adicione-se a isso setores que estão sofrendo muito, como açúcar e álcool, setor elétrico e petróleo.
Estadão: O baixo crescimento em 2014 está dado?
Castelar: O resto do ano vai sentir muito a questão das eleições. O ano não está dado ainda. As eleições vão ter um efeito distinto: o grande efeito das eleições neste ano é sobre as expectativas, sobre o que vai acontecer não só em 2015, mas o que vai resultar de 2015. É possível termos um cenário ruim para o ano que vem que aponte para um cenário igualmente ruim em 2016 ou um cenário ruim que aponte para um cenário melhor (em 2016). Apertem os cintos, porque vai ser um ano de muita sensibilidade, pela influência que essa questão da confiança está tendo sobre a economia. Confiança aí diz respeito muito a que tipo de soluções teremos para os desafios, que não são pequenos. Essas soluções virão das eleições.
Estadão: A alta na taxa básica de juros (Selic, hoje em 11% ao ano) tem peso na parada da economia?
Castelar: Provavelmente, teve alguma influência, mas ela não é determinante. A perda de confiança e a percepção de risco muito grande são totalmente dominantes e refletem mais a queda anterior da Selic, que era insustentável e começou a gerar todo esse tipo de intervenção para tentar segurar a inflação, como congelar preços. Estamos com uma série de remendos na economia e ninguém sabe exatamente como eles serão retirados e qual vai ser o impacto disso.
Estadão: Economia parada com inflação a 6,5% em 12 meses significa estagflação?
Castelar: Estritamente falando, sim. A partir desse número de hoje (ontem) do BC, temos um PIB que cresce perto de zero, podendo até ser um pouco negativo. Obviamente, existe estagnação da atividade. Se você considerar o fato de que há preços congelados, a inflação seria possivelmente da ordem de 8% ou 8,5%. Então, dá para chamar de estagflação. É óbvio que, quando você pensa na década de 1980, parece uma inflação baixa, mas o termo estagflação surgiu nos EUA, nos anos 1970, para caracterizar situações como a do Brasil hoje.
Estadão: A subida dos juros antecipa os ajustes necessários para 2015?
Castelar: É uma parte, mas tem de fazer mais coisa. A Selic atual consegue manter a inflação mais ou menos onde está. Se quisermos trazer a inflação para baixo, precisa elevar mais os juros. Agora, o quanto vai ter de subir depende de ter ajuda ou não da política fiscal. Você pode até não elevar juros se fizer um ajuste fiscal muito forte, capaz de recuperar a credibilidade, com um superávit perto de 3% do PIB, de verdade, sem contabilidades criativas.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 16/08/2014
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