A crise do euro traz à tona discussões sobre o papel do Estado na economia, o que tem feito economistas de diversas escolas a entrarem em verdadeiros embates ideológicos na busca por soluções para os problemas fiscais. Em entrevista, o economista e especialista do Instituto Millenium Rodrigo Constantino, crítico do aumento de gastos de países endividados, fala sobre a crise no continente europeu e questiona a formação da zona do euro: “O maior equívoco talvez tenha sido a composição de países-membros muito díspares”.
Por Wagner Vargas
Wagner Vargas: A crise fiscal na Europa coloca em xeque o modelo keynesiano de Welfare State. No entanto, ainda existe um discurso quase unânime sobre a intervenção estatal para solucionar crises. Por que esse pensamento estatizante ainda é tão difundido?
Rodrigo Constantino: Quando o médico erra o diagnóstico, ele com certeza errará a prescrição do remédio. O problema é que o mainstream adota uma teoria econômica não condizente com os fatos. Uma vez que não interpretam corretamente as principais causas que levaram ao fenômeno da crise, insistem em “soluções” ineficientes, que muitas vezes agravam o problema. Pensam que se há “falta de demanda” e muito endividamento, a demanda deve ser estimulada através do governo com injeções de dívida no sistema. Além disso, há o fator da natureza política da democracia, que leva o foco para o curto prazo, para as próximas eleições. Mesmo se as autoridades souberem identificar as verdadeiras causas do problema, elas não terão força política para agirem no local certo em virtude do elevado custo político de tais reformas impopulares.
Vargas: A situação atual da Europa demonstrou que uma união política por si só não é sólida o suficiente para consolidar uma união monetária. Do ponto de vista econômico, o modelo europeu – que teve a participação de figuras como Jacqes Delors e François Miterrand – criou um aparato centralizador que financiou a irresponsabilidade consumista dos governos de países periféricos. É possível eleger qual teria sido o maior equívoco na implantação do Eurosistema?
Constantino: O maior equívoco talvez tenha sido a composição de países-membros, muito díspares. Isso fere o conceito de “área ótima” de moeda, que demanda características similares em algumas áreas importantes, tais como competitividade do trabalho, sistema monetário anterior, nível de endividamento público, etc. Para piorar, na região não há mobilidade suficiente de mão de obra, um impeditivo ao funcionamento adequado de uma zona de moeda comum.
Quando países em condições tão inferiores do ponto de vista econômico, como Grécia e Portugal, passam a desfrutar de uma união monetária com países como Alemanha e França, seus custos de capitação despencam, permitindo uma bolha de crédito e uma fase de bonança insustentável. A Califórnia pode apresentar indicadores piores que a média americana, mas todos sabem que há uma união fiscal e política nos Estados Unidos, além da ampla mobilidade de capital e trabalho. Já Grécia e Portugal, em relação aos “estados unidos da Europa”, não contam com as mesmas garantias, e isso só ficou evidente no momento da crise. Antes, e como parte de suas causas, havia a noção de que tudo era um único “país”, o que naturalmente não é verdade.
A Europa entrou em um beco sem saída. O melhor caminho talvez seja tentar diluir os ajustes no tempo, liberalizando os mercados de trabalho e cortando privilégios e gastos.
Vargas: Apesar da União Europeia ter conseguido colocar em prática uma união monetária, ainda não existe uma unidade fiscal entre os países membros. O quanto isso foi responsável pela crise? Isso também é um “peso morto” para que esses países se livrem dos problemas financeiros atuais?
Constantino: Sim. Para durar, uma união monetária precisa de união fiscal e política. Os criadores do euro sabiam disso, mas resolveram colocar a carroça na frente dos bois acreditando que uma coisa levaria a outra. Alguns foram sinceros a ponto de assumir que as crises seriam parte desta trajetória, pois forçariam uma união fiscal. O problema é que alemães não se sentem europeus, e sim alemães, tal como gregos, italianos e franceses. Ou seja, não adianta tentar forçar um casamento que não é natural. No afã da imposição de um casamento, o que pode acontecer é uma separação litigiosa. União fiscal pressupõe a transferência de recursos dos alemães para os gregos e portugueses. Resta combinar isso com os alemães! Não dá para comparar esta situação com aquela existente nos Estados Unidos entre os diferentes estados, por exemplo.
No 11º capítulo do livro “The Tragedy of Euro”, o pensador Philip Bagus cita a teoria austríaca dos ciclos econômicos para explicar como o aumento do crédito via reservas fracionárias criou um cenário insustentável e também um dilema de difícil resolução, já que o tratado de Maastrich não prevê cláusulas de saída ou sanções aos países que queiram deixar o euro. Por também ser um autor austríaco, você acredita que é possível traçar uma “rota de fuga” para essa situação de acordo com essa escola pensamento? Que meios poderiam ser utilizados para, ao menos, mitigar os problemas financeiros na Europa?
Constantino: Infelizmente não existem alternativas fáceis ou isentas de grandes riscos. Os problemas estruturais são enormes e a interligação por parte do sistema bancário representa uma bomba-relógio no caso de ruptura do euro. Os bancos alemães são muito alavancados e possuem bilhões e bilhões de exposição aos países periféricos. Se existisse alguma “rota de fuga” minimamente segura ou suave, ela teria sido adotada. Não há. As reformas necessárias são extremamente impopulares e os grupos de interesse, que querem impedir mudanças para não perderem privilégios, são muito organizados. Além disso, a própria fase de ajustes dolorosos pode representar mais déficit fiscal no curto prazo. Politicamente, isso pode ser catastrófico, levando à eleição de messias salvadores, oportunistas com discursos nacionalistas.
A Europa entrou, aparentemente, em um beco sem saída. O melhor caminho talvez seja tentar diluir os ajustes no tempo liberalizando os mercados de trabalho e cortando privilégios e gastos. Mas pode ser ilusório crer nisso, pois tal rota depende da pressão dos mercados, e esta ameaça uma ruptura se a Alemanha não bancar a conta. Quando as taxas de financiamento na Espanha chegam a 6% ao ano, por exemplo, os investidores ficam tensos e falam em ruptura, pressionando o Banco Central Europeu (BCE) para intervir, e a Alemanha para caminhar na direção de união fiscal. Criou-se um verdadeiro esquema “ponzi” de pirâmide na região.
Vargas: Quando se fala em saída, em geral, os governos europeus têm optado por aceitar calotes parciais, compras de títulos já considerados podres pelo BCE e injeções de liquidez no mercado financeiro. Você acredita que essas medidas, apesar de paliativas e mais focadas no curto prazo, podem realmente ajudar os países a saírem da atual situação?
Constantino: Não acho que representam solução alguma, mas não vejo muitas alternativas no momento. A Europa conseguiu criar uma situação que realmente parece com o velho ditado popular: “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Sem as compras do BCE, a zona do euro provavelmente já teria ruído. Mas se isso acontecer, o contágio pelo sistema bancário será enorme, podendo levar a um quadro catastrófico. Por outro lado, ficar injetando recursos em bancos podres só posterga a crise, ampliando seu estrago na frente. O melhor cenário para a Europa parece ser uma “japanização”, com uma década perdida à frente. No entanto, mesmo esse cenário parece improvável, pois em algum momento a Alemanha pode dar um basta às transferências ou a tensão social nos países periféricos pode ficar insuportável para o povo e os partidos políticos.
Vargas: Ainda sobre o financiamento irresponsável e o consumo, Bagus utiliza o conceito de “tragédia dos comuns” ao defender que os limites de propriedade não estavam muito bem estabelecidos na União Econômica Monetária (UEM). É possível afirmar que o Brasil estaria indo rumo a uma crise fiscal, já que, boa parte do sistema financeiro está nas mãos do governo e isso tem sido utilizado para forçar os bancos privados a baixarem os juros? A independência questionável do Banco Central (BC) brasileiro tem haver com essa situação?
Constantino: A tragédia dos comuns fez parte do arcabouço institucional que levou à crise europeia, pois os gregos e italianos puderam abusar da farra de crédito só porque os alemães pagariam a conta. O Banco Central Europeu pode ter sua parcela de culpa, mas o modelo era inviável por partir da premissa de que “um tamanho serve a todos”. Ou seja, o BCE controlava os juros olhando para uma região inteira, só que dentro dela havia inúmeras distorções. Os juros poderiam estar altos demais para alguns países e baixos demais para outros. Os desequilíbrios foram se agravando. Não havia muito que ser feito pelo BCE nesse aspecto.
O problema brasileiro é diferente. A má alocação de capital por um sistema bancário concentrado no governo é um dos males que vão cobrar a fatura no futuro. A falta de independência do nosso BC representa outra ameaça, pois sua captura política pode fazer com que as taxas de juros fiquem artificialmente reduzidas para produzir crescimento de curto prazo. Só que o que permite esta farra de crédito brasileira é o cenário externo, basicamente o crescimento chinês impulsionando o preço de nossas commodities e o custo negativo (em termos reais) do capital no mundo, fazendo com que possamos importar poupança externa. Não é o mesmo quadro da Europa, mas os efeitos podem acabar sendo parecidos. Um maná que leva a uma farra de gastos públicos e endividamento, terminando em lágrimas.
Desde estorieta de Adão e Eva toma-se o trabalho como castigo, muito embora a salvadora purgação, isto bihões de anos depois do Paraíso. Assim é que o capital era coisa divina, personificado pelos reis divinos, e depois até hipocritamente pelos fascistas, graças a Rerum Novarum. Colocando-se ao lado dos desvalidos trabalhadores, Mussolini e dezenas de oportunistas e demagogos construíram seus edifícios. Entusiasmaram a plebe tanto ou mais que aquele salvador; e também tiveram sua trajetória cortada de modo trágico. Aos proletários, Getúilio subiu ais céus.
O dinheiro representava o capital; e a simples mão-de-obra de qualquer analfabeto ou escravo, o trabalho. O dinheiro sempre ficou sob a guarda dos anjos do divino, fossem os Medices, os Luízes, Bismarck, Lenin, Roosevelt ou Hitler; O resto era o povo. Tinha mais é que trabalhar, enquanto os “capitalistas” planejavam como dar-lhes ainda mais trabalho.
O mundo, contudo, já a partir do XX começava lentamente a operar uma reviravolta que hoje parece-me acelerada, e irreversível. Ou você produz o suficiente para transformar sua produção em dinheiro, e assim meritóriamente recebe o seu salário, ou não haverá dinheiro para você. A matéria é feita de energia. Sem esta, não se realiza aquela. Não mais essa de”humanismo” para um, em detrimento de todos os demais.
Com o capital, com a matéria, com a promessa de dinheiro Roosevelt, Mussolini, Vargas, Hitler, Salazar, Franco, Perón, e muitos afins levantaram espetacularmente suas combalidas economias. Em seguida quase todos morreram, mas deram uma demonstração que era mesmo o dinheiro que tinha o papel fundamental no desenvolvimento de qualquer Nação. Todos debitaram suas mortes a tudo, menos as suas políticas econômicas e sociais.
http://allmirante.blogspot.com.br/2012/07/inversao-do-capital.html