Ao lado da ameaça da inflação e das questões fiscais que rondam as contas públicas, a falta de um projeto de país é o maior problema do Brasil, na visão dos economistas Edmar Bacha, diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica da Casa das Garças e um dos criadores do Plano Real, e Monica de Bolle, professora da PUC-Rio [Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro] e sócia da consultoria Galanto. Os dois foram os convidados desta quinta-feira de mais um debate da série “Encontros O Globo”, na Casa do Saber O Globo, em comemoração pelo lançamento do acervo digital do jornal para consulta on-line pelos leitores. A mesa “Estabilização da Economia”, mediada pela colunista Míriam Leitão, é a terceira da série.
“A grande questão que estamos enfrentando neste momento é a incapacidade de definir um rumo para este país neste mundo globalizado. Estamos batendo cabeças, num mundo que se integra. A União Europeia anunciou com os Estados Unidos um tratado de livre comércio muito amplo, o Brasil está num retrocesso, num capitalismo de autarquias”, disse Bacha.
Ele argumentou que o Brasil não tem um fluxo de comércio exterior compatível ao tamanho da sua economia e ocupa a última posição entre países importadores, num ranking dos 176 países do Banco Mundial. Ele afirmou que as multinacionais instaladas aqui não exportam, por causa do custo Brasil, e apenas exploram o consumidor brasileiro. E criticou medidas como a que obriga a Petrobras a ter parte de seus equipamentos produzidos no país.
“Estão acabando com a Petrobras: não deixam reajustar o preço dos combustíveis e obrigam a empresa a comprar produtos com conteúdo nacional pagando até 25% mais caro. É inacreditável, tem especificações de quanto tem que produzir e onde. Nem na União Soviética era assim”, criticou.
“Contabilidade criativa”
Monica de Bolle disse que as pesquisas pelo acervo do Globo e a observação do cenário econômico do país hoje remetem a um verso de compositor Cazuza que diz: “Vejo o futuro repetir o passado”. Isso porque, segundo ela, medidas que estão sendo adotadas ultimamente, como a chamada “contabilidade criativa” e o controle artificial da inflação, já haviam sido tentados antes do Plano Real e não deram certo. Para Monica, o grande diferencial do plano que conseguiu controlar a inflação foi pensar o país a mais a longo prazo.
“Tivemos vários artifícios no Orçamento na década de 80, e o resultado não foi bom. Uma coisa importante do Plano Real foi ter sido a única instância em que a gente teve um projeto para o país e não para um governo. Depois disso, não mais. E agora certamente não temos”.
Ela lembrou que para compensar as distribuidoras de energia elétrica pelas perdas com a mudança nos reajustes das tarifas, o governo criou uma conta de desenvolvimento energético que, mesmo sem aparecer no Orçamento, está gerando um passivo para as contas públicas.
Outro motivo de preocupação para a professora da PUC é a parte da inflação embutida nos preços administrados pelo governo, ou seja, o valor da gasolina, a redução das tarifas de energia elétrica e a suspensão dos aumentos das passagens de ônibus. Ela explicou que, no acumulado em 12 meses até agosto, a inflação dos preços controlados está na faixa de 1%, enquanto a dos preços livres fica em torno de 7,5%. No mesmo período, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), taxa oficial de inflação do país, varia 6,09%.
“Se a inflação dos preços administrados estivesse na sua média histórica, em torno de 4,5%, nossa inflação em 12 meses estaria entre 7,2% e 7,3%”, comparou.
Mediadora do debate, a colunista Míriam Leitão lembrou os momentos que marcaram a história do país desde a estabilização da moeda e o apoio que a população deu ao Plano Real, mesmo quando precisou ir para rua com máquinas de calcular para saber quanto custava o quilo do feijão. Para Míriam, o Brasil venceu a inflação e vai fazer isso de novo.
Fonte: O Globo
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