No recente ciclo de palestras da Academia Brasileira de Letras com o tema “Planejamento e Políticas Públicas”, sob coordenação da escritora Ana Maria Machado, houve uma feliz coincidência: três dos palestrantes, com abordagens diferentes, acabaram se dedicando especialmente a analisar a crise educacional brasileira e sua relação com a falta de competitividade do país.
O sociólogo José Pastore, uma das maiores autoridades em trabalho no país, Ricardo Paes e Barros, economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper, um dos técnicos por trás do Bolsa-Família, e Samuel Pessoa, do Instituto de Economia da Fundação Getulio Vargas no Rio, mostraram como a deficiente estrutura educacional impede que o trabalhador brasileiro ganhe produtividade.
Como analisa Paes e Barros, “a produtividade brasileira cresceu menos do que o salário. Para reduzir a pobreza, é preciso crescimento salarial, que não existe sem crescimento da produtividade. Mas o cenário educacional é desastroso”.
José Pastore diz que nós brasileiros vamos ter que escolher entre “muito trabalho e boa educação ou pouco trabalho. Alta competência ou baixo salário”. Mas o Brasil está atrasado, lembra, fazendo comparações: “Nossa educação média ainda está em torno de 7 anos de escola, quando nos Tigres Asiáticos já passou dos 10 anos, do Japão está nos 12, nos EUA e Europa já está entre 13 e 14 anos”.
Para o economista Samuel Pessoa, da Fundação Getulio Vargas, “demorou muito para os economistas entenderem o papel econômico da educação. Nossa sociedade se atrasou na educação, nosso maior erro histórico no século 20”.
Ricardo Paes e Barros fez uma análise do que chamou de verdadeira revolução no combate à desigualdade: “a taxa de crescimento de renda per capita dos mais pobres cresceu acima da média nacional, e isso é inclusão social. No Brasil, 80% caminharam acima da média. Só dois grupos, que representam 15% da população, os mais ricos, cresceram abaixo da média, e têm metade da renda brasileira. Durante 13 anos, o pobre cresceu quatro vezes mais rápido do que o rico. Para reduzir a desigualdade, precisa de desigualdade na taxa de crescimento”.
Infelizmente, lamentou Ricardo Paes e Barros, é preciso fazer isso por mais 20 anos para que nos tornemos um país razoável. Mas o grande feito, salientou, é fazer com que o mais pobre consiga alcançar taxas de crescimento chinês via mais trabalho e mais remuneração.
Falando sobre a crise econômica atual, o economista disse que “mais do que nunca, a melhor política social é a política econômica, pois os pobres estão conectados à economia”. Para ele, o gasto público não é sustentável, e o gasto com o pobre é disso uma “minúscula porcentagem”. Essa explosão dos gastos “tem a ver com decisões erradas que colocam em risco o que conseguimos”.
Ricardo Paes e Barros vê “ares de insustentabilidade”, pois, embora os salários dos mais pobres precisem continuar crescendo, “não podem crescer mais rápido do que a produtividade. Quem vai pagar a conta?”
Na análise de Ricardo Paes e Barros, “temos hoje a maior juventude de todos os tempo, de 15 a 29 anos – 50 milhões – maior do que jamais tivemos e do que jamais teremos”, mas um sistema educacional atrasado dezenas de anos em relação a países que eram similares ao nosso há poucos anos.
“A escolaridade de quem nasceu nos anos 1930 era de 3,5 anos. O primeiro grupo que atingiu 4 anos de escolaridade foi o que nasceu em 1940. Em 1970, atingimos 8 anos de estudo. O novo adulto brasileiro, com 25 anos, se tiver um amigo chileno, este terá dois anos de escolaridade a mais – 10 a 12 anos. O pai do amigo chileno já tinha 10 anos. Estamos mais de 20 anos atrasados”.
Sobre o aprendizado de crianças de 15 anos, verificado pelo teste Pisa, Paes e Barros ressalta que 67% dos brasileiros “sabem nada ou quase nada em matemática”. A Coreia do Sul tem 3 vezes mais conhecimento, e 93% dos países tem mais conhecimento do que os brasileiros.
No entanto, temos ilhas de excelência que deveriam ser copiadas. “500 escolas brasileiras já alcançaram a meta do Plano Nacional de Educação para daqui a 10 anos, e a maior parte delas está no interior do nordeste”. Que país é esse, pergunta o economista, lamentando:”Não sabemos valorizar quem sabe fazer educação”.
Ele cita como exemplo a cidade de Brejo Santo, na fronteira tríplice entre Pernambuco, Paraíba e Ceará, na base da Chapada do Araripe, com renda per capita inferior a 10 reais por dia, e está na liderança na educação.
Fonte: O Globo, 05/11/2016.
No Comment! Be the first one.