Um grupo de 80 economistas lançou, neste domingo, um manifesto em defesa do teto de gastos do governo federal. A necessidade de se posicionar a favor da limitação das despesas públicas já vinha sendo discutida pelos
Com as investidas de alguns integrantes do próprio governo Jair Bolsonaro pelo aumento de gastos, além de aliados no Congresso, os economistas decidiram que a defesa da austeridade fiscal tinha que ser feita de forma aberta para a sociedade.
O teto de gastos, que foi aprovado no governo Michel temer, limita o crescimento das despesas federais à inflação do ano anterior até o ano de 2036.
— Decidimos fazer uma espécie de abaixo assinado, com essa versão que ficou mais completa. É um documento com contribuições e ideias num momento em que a sociedade precisa fazer escolhas. A pandemia escancarou a necessidade de fazer gastos sociais. E isso é desejável, mas o teto precisa ser respeitado — disse o economista Pedro Jobim, que redigiu a primeira versão do manifesto.
O texto acabou ganhando contribuições de vários participantes e chegou-se a uma versão final, que começou a circular em redes sociais.
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No manifesto, os economistas lembram que o Orçamento do governo federal é 95% comprometido com despesas obrigatórias, e as duas maiores são gastos com pessoal e aposentadorias e benefícios do INSS.
Apesar da reforma da Previdência, diz o texto, as despesas previdenciárias apresentam crescimento real. E, se essa dinâmica não for revertida, o cumprimento do teto, até 2023, não será mais possível, a menos que o Estado deixe de executar serviços essenciais.
Por isso, o documento aponta que o melhor (e possivelmente o único) caminho, na atual situação, é o que está sendo sugerido pelo Ministério da Economia: combinar as PECs (propostas de emendas à Constituição) 186 (Emergencial) e 188 (Pacto federativo), que já tramitam no Senado, em uma única proposta que possa caracterizar o estado de emergência fiscal e disparar gatilhos para contenção das despesas obrigatórias do Orçamento já em 2021.
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“O gatilho previsto na PEC 186 que pode de fato liberar espaço adicional para despesas sociais e de infraestrutura é a possibilidade de redução de até 25% das horas trabalhadas dos servidores durante o estado de emergência, com adequação proporcional dos vencimentos à carga horária. Apenas no plano federal, estimamos que essa medida possa abrir espaço em torno de R$ 15 bilhões para despesas discricionárias”, diz o texto.
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Jobim lembra que a possibilidade de redução de jornada e salários dos servidores públicos estava prevista na PEC 186, que não avançou e agora está sendo resgatada.
— É uma medida difícil, há lobbies do funcionalismo público, mas a sociedade tem que escolher. Esse é um jeito de reduzir o piso. A desindexação das despesas previdenciárias por dois ou três anos, também liberaria espaço grande de recursos, mas é difícil de fazer — observa.
Para a economista Elena Landau, uma das signatárias do manifesto, foi o teto de gastos que permitiu a queda acentuada da taxa básica de juros.
— Ele é a âncora das expectativas e furá-lo significa trazer de volta a inflação e os juros altos. Precisamos sair do discurso maniqueísta de que quem é a favor da austeridade fiscal é contra os gastos sociais. O teto não afetou gastos com saúde e educação — afirmou Landau.
Reformar para gastar melhor
Segundo o texto dos economistas, é o teto de gastos que garante ao país continuar solvente, além de permitir juros baixos por um prazo prolongado de tempo.
— A ideia é que tenhamos uma melhor racionalização dos gastos. O Brasil não gasta pouco, mas gasta mal. Ao invés de criarmos mais gastos, temos que reformar para que o enorme orçamento da União seja melhor usado – disse o economista Daniel Weeks, que também assinou o texto.
“O teto de gastos é hoje o pilar central da política econômica. Ao limitar o crescimento de praticamente todas as despesas primárias da União à inflação do ano anterior, o teto afiança à sociedade e aos agentes econômicos a solvência da União, o que ancora as expectativas de inflação e permite, ao Banco Central, praticar sua política monetária livre do espectro da dominância fiscal”, diz o manifesto.
Para o economista Claudio Frischtak, outro signatário do documento, há a percepção de que o país está numa encruzilhada, do ponto de vista dos gastos, e o atalho populista de aumentar as despesas, pode levar a um estado de enorme gravidade fiscal. Ele lembra que governos anteriores já trilharam a via do aumento de gastos para estimular a economia, destruindo as contas públicas e levando o país à recessão.
— Modificar qualquer coisa no teto de gastos agora é suicídio. Ele é essencial para não acabar com os recursos que são direcionados à parcela mais pobre da população, seja em saúde ou educação – defendeu Frischtak.
Para Frischtak esse é um ajuste emergencial para sustentar o teto, até que a reforma administrativa seja de fato colocada em prática.
Durante a aprovação do chamado ‘orçamento de guerra’ para ajudar os estados durante a pandemia do novo coronavírus, o ministro da Economia, Paulo Guedes, perdeu a briga no Congresso para o congelamento dos salários de servidores públicos por 18 meses. Os parlamentares retiraram uma série de categorias da proibição de reajustes, que era a contrapartida para a ajuda. Com os cortes, os ganhos com a medida caíram de R$ 130 bilhões para R$ 43 bilhões.
— A outra saída é ter aumento de impostos. Mas vamos ver a reação da sociedade a isso — lembrou Frischtak.
Fonte: “O Globo”, 16/8/2020